Um laboratório de encastelamento: o senhor e o domínio no game Stronghold (2001-2016) - Felipe Augusto Ribeiro

Felipe Augusto Ribeiro

Doutor em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais. Email: felipeaur@gmail.com

  1. Introdução

Stronghold é um jogo eletrônico (game), para computador, do estilo real time strategy (RTS), desenvolvido pela empresa britânica Firefly Studios em 2001. Ele é tratado, pela própria desenvolvedora, como um “simulador de castelos” (castle sim) e se ambienta em uma imaginária “Inglaterra medieval”, por volta de 1066 (FIREFLY, 2020). Um trailer do produto pode ser visto no canal da produtora no Youtube (FIREFLYWORLDS, 2012).


De lá para cá o título recebeu continuações e expansões: Crusader (2002); Stronghold 2 (2005); Legends (2006); Extreme (2008) e Stronghold 3 (2011) (WIKIPEDIA, 2020). Nesta análise, empreguei a versão high definition (HD) do jogo original, publicada em 2016, mediante licença original adquirida através da Steam, plataforma de jogos da empresa Valve (todas as imagens empregadas no texto foram prints feitos por mim, com tal licença). Hoje essa versão está integralmente traduzida para o português (STEAM, 2020).


O game comporta várias modalidades de jogo. No entanto, aqui me aterei apenas à campanha militar e aos módulos de jogo econômico.


Neste texto pretendo fazer uma descrição introdutória do game. Como método, optei por separar e analisar, sucintamente, alguns elementos-chave dele, tendo como vértices dois conceitos historiográficos que lhe são externos, não fazem parte de sua linguagem própria, mas que me parecem pertinentes para abordá-lo enquanto mídia de representação histórica: castelo (a fortaleza) e o senhorio (ou domínio). Obras interativas são mais complexas do que a descrição a seguir, breve e esquemática, faz parecer, mas o meu propósito, o resultado almejado, é somente o de delinear uma possibilidade de aproximação a esse tipo de objeto e apresentá-lo como pertinente para algumas reflexões no campo da História Medieval.


  1. Descrição e análise

A imagem publicitária de Stronghold, que também compõe a sua tela inicial, sintetiza o conteúdo do jogo: cavaleiros e camponeses, a guerra e a agricultura. Ao fundo, a fortaleza, o centro dessa imaginada “civilização feudal”.


Imagem 1 – Tela inicial.


O cenário de jogo seria de tédio rural, não fosse a movimentação dos trabalhadores e das tropas, que imprime à paisagem certo dinamismo. A cinemática de introdução, fazendo contrastar o bucolismo e a brutalidade, produz uma ácida ironia: enquanto o áudio fala de uma Idade Média romântica, aventuresca e feliz, o vídeo retrata a mais crua violência, além de uma pobreza mortífera (FIREFLYWORLDS, 2008).


Como se vê na imagem abaixo, o jogo acontece em torno da fortaleza, onde o jogador deve dispor uma série de edifícios nos quais os trabalhadores são empregados, além de suas casas e outras estruturas, como igrejas e muralhas. O jogador, senhor desse castelo, funciona como o arquiteto do mundo jogado: ao construir ele ordena que os camponeses assumam seus postos de trabalho e produzam a riqueza que permitirá ao senhorio, enquanto comunidade coesa e orgânica, (sobre)viver. O senhor-jogador não deve ser capaz somente de gerar riqueza, mas também de empregá-la corretamente: ele deve distribuir os gastos, com razoabilidade, entre investimentos estruturais na economia do senhorio – que, à exceção de um mercado e das guerras, não tem qualquer outro contato com comunidades externas, configurando-se numa aldeia politicamente autônoma, que deve ser economicamente autossuficiente – e gastos com a sua proteção, através da fabricação de armas, alojamentos e muros, e do recrutamento de soldados.


Imagem 2 – Tela de jogo. No centro da tela o castelo, com a fogueira e os camponeses à sua frente. Acima dele a igreja e, ao redor, as cabanas, o depósito, o celeiro e algumas plantações. Na parte de baixo da tela, o menu com as construções possíveis, e o ícone de um servo do senhor, que segura o livro de administração do senhorio, indicando o seu índice de popularidade, o tamanho da população e do tesouro.


O tutorial ensina que o segredo para um bom começo é escolher uma boa localização para a sua fortaleza, inicialmente chamada de “salão saxão”, um pequeno forte de madeira, bem rústico, onde reside o avatar do “senhor feudal”. A casa senhorial é o primeiro lugar onde os camponeses que chegam à vila passam: na porta da construção eles se ajoelham, como se pedissem a bênção do senhor e a permissão para ficar e servi-lo. Para acomodá-los, o senhor precisa construir casas, que são modestas choupanas de palha, nas portas das quais ficam as únicas mulheres que aparecem no jogo inteiro: mães com bebês chorando em seus colos, como se fossem os avatares do crescimento populacional. Essas mulheres não têm nenhuma função no game, mas se os aldeões, porventura, deixam o senhorio, elas desaparecem, bem como o choro dos bebês.


3. A campanha militar

Embora o jogo se anuncie como historicizado, ele é ficcional. A trama tem como protagonista um jovem não nomeado: o jogador. Ele fica órfão quando seu pai, tentando defender um reino cujo rei (que também não é identificado) foi feito prisioneiro durante uma guerra contra os “bárbaros”, é assassinado por aristocratas que desejam promover uma guerra civil e dividir o país. A missão do protagonista, então, é derrotar os nobres rebelados e reunificar o reino, fortalecendo-o para repelir os bárbaros e resgatar o rei. Mas, para tanto, ele precisa começar do zero: contando apenas com dois leais conselheiros – um cauteloso administrador, Lorde Woolsack, e um bravo comandante militar, Sir Longarm – ele precisa organizar um pequeno contingente populacional em torno de si de modo e mobilizar o seu trabalho, seja para produzir riqueza, seja para recrutar soldados e formar o seu próprio exército.


Os nobres que constituem os adversários do jogador são metaforicamente identificados como animais, cada um simbolizando uma qualidade negativa que, supostamente, compõe a rapacidade aristocrática: o Duque de Puce é cognominado “O Rato” e se apresenta como um homem completamente covarde; o Duque Beauregard é chamado de “Víbora”, por ser traiçoeiro; o Duque de Truffe é identificado como “Porco”, devido à sua ganância; e, por fim, o arqui-inimigo do jogo é um enigmático cavaleiro conhecido como “O Lobo”, pela sua ferocidade em batalha.


Como se vê, todos os personagens de Stronghold são fictícios. Mas a trama tem uma clara inspiração histórica: o período das invasões estrangeiras no Arquipélago Britânico. A datação não é acidental: 1066 é o ano da célebre Batalha de Hastings, em que o normando Guilherme, o Conquistador (r. 1066-1087), concretizou a invasão da Inglaterra e se sacramentou seu rei, justamente no momento em que o reino estava enfraquecido, dividido em ducados e incapaz de repelir os escandinavos (para uma visita atualizada à história da conquista normanda da Inglaterra, ver CRUZ, 2019).


O que Stronghold faz é se apropriar de um conteúdo histórico bastante conhecido para criar uma ambientação original, que dá significado aos desafios que os desenvolvedores desejaram oferecer aos jogadores. A História Medieval, ali, é o repositório de uma lógica instrumentalizada em forma de jogo: nesse título, o ato de jogar consiste em controlar uma série de variáveis que compõem um cenário vivo, que o jogador deve ordenar com vistas à dupla dimensão do jogo, o econômico e o militar. O game é composto de um script ativado mediante uma série de comandos, por isso não é à toa que ele coloca o jogador na pele de um comandante. Para tornar a sequência de comandos apreensíveis, dotá-los de motivação e finalidade, a Idade Média inglesa se transforma numa linguagem bastante adequada: a suposta anarquia nobiliárquica e a consequente necessidade de que emerja um novo rei, um novo comandante, que seja capaz de centralizar um mundo que está sendo destruído por forças sociais centrífugas.


A ficcionalidade do enredo é tal que a sua espacialidade, malgrado tenha sido, inicialmente, proposta como histórica (a Inglaterra durante a invasão normanda), hoje é abstraída de modo que cada usuário pode configurar o jogo para visualizar o mapa de campanha com o formato de seu próprio país, como na imagem abaixo.


Imagem 3 – Mapa da campanha militar, para um usuário brasileiro.


Durante a campanha “histórica”, o desafio proposto ao jogador é, basicamente, fundar o seu senhorio, fazê-lo resistir às investidas dos inimigos e, depois, conquistar outros castelos, avançando sobre o território rebelde. As campanhas são estruturadas em missões, e a cada uma o senhor multiplica as fortalezas que controla: enquanto unidades de conquista, colonização e defesa territorial, os castelos funcionam como os baluartes do crescente domínio que o jogador deve engendrar. A cada missão o jogador toma um condado aos inimigos.


4. O módulo de economia

O modo de jogo econômico consiste em uma missão – ou uma sequência de missões – em que o aspecto da guerra é retirado, para que o jogador possa se concentrar no cumprimento de metas puramente econômicas: atingir um determinado patamar populacional, acumular certa quantidade de recursos, produzir certo montante de ouro. São módulos sem qualquer competição (nem sequer contra o computador), em que os desafios não são senhores inimigos, mas o tempo: o jogador deve atingir a meta dentro de um prazo estipulado, superando os obstáculos impostos pelo meio ambiente e sendo o ágil em equilibrar os recursos e em manusear as ferramentas de jogo.


A faceta econômica do game imerge o jogador na administração feudal. Ela começa na frente do casarão senhorial, onde fica uma fogueira, em volta da qual os camponeses ainda não empregados pelo jogador em alguma tarefa se reúnem, aguardando as ordens de seu senhor (ver imagem 2). Clicando nela o usuário pode acompanhar dois índices fundamentais para o jogo: a demografia, isto é, o tamanho da população de seu senhorio, de quantos camponeses ele dispõe (empregados ou não); e a sua popularidade, que mede a adesão, a fidelidade, a admiração desse povo pelo seu senhor. Um líder benquisto atrai mais camponeses e mantém reunida a população da vila; um líder detestado afugenta o povo e arruína o senhorio.


Popularidade e população são os dois eixos centrais do jogo, a sua espinha dorsal. Para ter sucesso, o jogador precisa manter esses dois índices positivos, porque sem popularidade ele não terá população, e sem população ele não tem trabalho nem exército. Mas o jogo tem outros recursos importantes: madeira (usada em construções e armas), pedra (usada nos edifícios maiores), piche e bens de consumo (que o jogador produz em oficinas e lojas, constituindo certa cadeia de produção manufatureira) que o jogador pode mandar fabricar em oficinas e vender em mercados. Contudo, eles dependem do trabalho camponês para serem produzidos, por isso podemos tratá-los como recursos secundários. O jogo corre contando o tempo, mês a mês, ano a ano, e todos os recursos, inclusive a popularidade, variam mensalmente. 


Dos recursos secundários, o mais importante parece ser a comida, pois é com ela que o senhor recompensa os aldeões e mantém a sua reputação. Cabe ao jogador, como senhor, definir a quantidade de ração diária servida aos seus seguidores: rações pobres, medianas, completas e duplas. Quanto mais farta a alimentação oferecida, maior a popularidade. A comida também tem indicadores de variedade qualitativa: o senhorio produz alimentos diversos – carne, queijo e frutas – mas esse indicador não parece afetar a satisfação dos camponeses; o que define a relação entre o senhor e seu séquito é a quantidade, não a qualidade da alimentação fornecida. Atenção especial deve ser dada a um tipo específico de alimento, o pão: ele precisa ser fabricado, desde o plantio e colheita do trigo até o cozimento da massa, passando, antes, pela transformação do trigo em farinha, triturado em moinhos (operados por crianças). Mas o tutorial deixa claro: o pão é o alimento mais difícil de ser produzido – há, para ele, uma verdadeira linha de beneficiamento industrial – porém é o mais seguro e estável, constituindo a base alimentar do jogo, ao qual o jogador deve dedicar maior investimento e cuidado.


O senhor também se relaciona com os camponeses através do ouro, outro recurso secundário, obtido cobrando impostos do povo. A tributação exerce, sobre a satisfação campesina, uma força oposta à da alimentação: quanto maior o imposto cobrado, menor a reputação do senhor. Em contrapartida, se o jogador quiser atrair mais camponeses para o seu senhorio, ele pode, ao invés de cobrar impostos, gastar o seu tesouro pessoal oferecendo um subsídio, também em ouro, para os aldeões. Assim, o índice vai, no texto do jogo, de “suborno generoso” (imposto negativo) ao “imposto simplesmente cruel” (imposto muito alto). Esse é um recurso tão decisivo quanto a comida, pois é com ele que o senhor paga suas tropas e adquire benesses que auxiliam a elevar a satisfação do povo e, logo, a manter a sua popularidade: com ele podem-se construir praças, jardins, igrejas e outros equipamentos públicos ligados ao bem-estar social; com o ouro pode-se também promover músicos, circos e festivais, que aumentam a felicidade popular.


Algumas versões do jogo contemplam outros dispositivos de controle populacional: o medo e a produção de cerveja, que servem para evitar que os camponeses façam motins (seja pela coerção, seja pela diversão) e a bênção dos sacerdotes que ocupam as igrejas. Contudo, como esses mecanismos não estão disponíveis em todas as versões, não tratarei deles.


O jogador precisa ser hábil para manter um equilíbrio entre a cobrança de impostos e a oferta de comida, porque ele precisa da população, mas, para mantê-la, precisa do ouro coletado na forma de tributos. Essa dinâmica faz de Stronghold um jogo interessante para se discutir, criticamente, alguns aspectos elementares das sociedades medievais. O primeiro deles é a premente necessidade de que se constitua algum grau de segurança alimentar, num mundo de produção agropecuária instável (como discutiu DEVROEY, 2016). O meio ambiente do game é agressivo e inóspito: os caçadores que produzem a carne estão sujeitos aos ataques de animais selvagens, como lobos e ursos; as pessoas e as vacas, de cujo leite se produz o queijo, estão sujeitas ao morticínio por doenças; as plantações de frutas e trigo, como os demais edifícios do senhorio, estão sujeitas a incêndios. Para ter sucesso, o senhor deve enfrentar todos esses fatores. Por outro lado, a natureza do jogo se renova periodicamente, tornando os recursos naturais virtualmente inesgotáveis.


Assim, a agência do jogador funciona como uma força de proteção e aprovisionamento, que deve ir contra as forças caóticas e inescapáveis da natureza. A figura do senhor, em Stronghold, é tipicamente a do rei antigo e medieval: além de coordenar os combates, ele é um agente de ordenamento, fertilidade e prosperidade. É ele, sozinho, quem decide o quê e quanto cada habitante do senhorio pode comer; o celeiro, inclusive, assim como o depósito de matérias-primas (onde os trabalhadores guardam os recursos coletados e fabricados), só pode ser construído ao lado do castelo, porque todo recurso deve ser controlado de perto pelo senhor. O ambiente de carestia é tamanho que frequentemente a comida do celeiro é roubada por assaltantes.


O segundo aspecto de que se pode falar é a tributação. No jogo, ela está estritamente relacionada ao financiamento cultural, religioso e militar: tributa-se para conseguir o ouro que remunera engenheiros, soldados, padres e artistas (depositado no castelo, esse ouro também é alvo frequente de ladrões). Esse ouro, aliás, tem uma origem abstrata: ele não é extraído diretamente das minas e depende apenas do tamanho da população. O tributo é um produto indireto da agropecuária; se o jogador precisa acumular mais ouro, ele só tem dois caminhos: cobrar mais impostos – o que é perigoso, porque deixa o povo insatisfeito – ou aumentar os habitantes de seu senhorio, o que só é possível produzindo-se mais comida.


5. Considerações finais 

A maneira como Stronghold cria a sua narrativa ficcionalizando um pano de fundo histórico, repousando, acomodando o seu enredo numa verossimilhança histórica, permite entendê-lo, a meu ver, como um produto da cultura neomedievalista (para uma discussão do conceito, ver FUGELSO, 2010). Nessa condição, ele me parece um objeto legítimo para uma reflexão acerca de certos temas da História Medieval, entendida como História Pública.


Com suas características, o game me parece uma ferramenta pedagógica interessante para discutir as diversas facetas do feudalismo (como o fez GUERREAU, 1980) e o senhorio ou domínio enquanto unidade social “total” – envolvendo economia, religião, política e cultura – e modelo de sociabilidade (cf. SALLES, 2013, p. 31). Ao colocar o jogador na posição de um senhor responsável por reunir uma população frágil e desorganizada, ele se transforma em um laboratório onde se podem testar elementos do processo histórico que Pierre Toubert chamou de “encastelamento”: a organização complexa e multifacetada, irregular no tempo e no espaço, das comunidades medievais em torno de fortalezas – ou a fortificação de comunidades já estabelecidas (para uma revisão do conceito, cf. LAUWERS, 2013). Esse laboratório pode ser proveitoso na medida em que, ao contrário das representações científicas comuns, é visualmente apelativo e, o mais importante: é interativo.


Evidentemente, o diálogo científico com uma mídia como essa não pode deixar de ser crítico: como outros títulos de seu gênero, Stronghold oferece uma representação marcada por alguns traços historiográficos problemáticos: as ideias de que só os castelos foram polos de organização socioeconômica durante o período medieval (quando, sabemos, as igrejas e mesmo algumas vilas também serviram de centros populacionais) e de que os senhores, no feudalismo, chefes da guerra e proprietários exclusivos de todos os bens e recursos naturais, eram onipotentes frente a civis desarmados, cuja ignorância demandava a intervenção e a condução de um líder carismático, racional, poderoso e eficiente. Todavia, também é preciso que se compreenda o game em sua natureza particular: para ser atraente, para envolver o jogador em seus desafios, para ser um entretenimento – estamos falando de um produto cujo objetivo é divertir, não educar, a priori – ele precisa dar todo esse poder ao usuário. A grande arma dos RTS é a liberdade que dão os jogadores, é o fato de que, para vencer, o jogador deve ser bom em manusear tantas ferramentas e recursos. Não à toa, jogos como este também são classificados como jogos de gerenciamento.


A abordagem de um jogo, como a de qualquer objeto da história, deve ser dialética: por um lado, Stronghold apresenta o senhorio como uma unidade homogênea e fechada em si mesma, em eterna tensão com o meio ambiente e com agressores externos; por outro, ele permite lembrar que inúmeros fatores – como a natureza, com os seus recursos e perigos, e os contatos com comunidades vizinhas – determinaram os diversos modelos de sociedade rurais que podemos encontrar no mundo medieval europeu, atestados não só pelas fontes escritas tradicionais, como pela iconografia e pela arqueologia. Similarmente, se a obra, de uma perspectiva, entende o domínio como uma propriedade irrestrita sobre as coisas, mantida e corroborada pelo uso da força, ao trabalhar com o elemento da popularidade, ele lembra que o governo sobre os homens, que também caracterizou essa forma política de exercício do poder, não era inapelável: mesmo que o senhor tenha a posse exclusiva das armas, ele não pode impedir os camponeses insatisfeitos de se rebelarem e deixarem o seu senhorio, caso lhes falte comida ou a tributação seja opressora. Para vencer, em Stronghold, não basta ser senhor, é preciso ser um bom senhor, o que implica ser generoso e dispor das riquezas em benefício da própria população.


Referências

CRUZ, Paulo Christian Martins Marques da. Guerra, história e poder: as narrativas sobre a Batalha de Hastings como estratégia de legitimação da dinastia normanda dos reis ingleses (1066-1135). Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal de São Paulo. Guarulhos: UNIFESP, 2019.

DEVROEY, Jean-Pierre. La politique annonaire des Carolingiens comme question économique, religieuse et morale. In: L’Alimentazione nell’Alto Medioevo: pratiche, simboli, ideologie. Settimana internazionale di studio sull’Alto Medioevo (v. 63, 9-15 avril 2015, Spoleto). Espoleto: Fondazione Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo, 2016. Disponível em: https://bit.ly/37vsN7U. Acesso em: 15 jun 2020.

FIREFLY. Stronghold HD. Londres: Firefly Studios, 2020. Disponível em: https://fireflyworlds.com/games/stronghold/. Acesso em: 19 ago 2020.

FIREFLYWORLDS. Stronghold HD, trailer. Vídeo de 54s, publicado em 31 out 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0pysngc28L8. Acesso em: 19 ago 2020.

______. Stronghold 1, introduction (English). Vídeo de 1min47s, publicado em 19 set 2008. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=G5QcZQ2AY7w. Acesso em: 19 ago 2020.

FUGELSO, Karl (ed.). Studies in medievalism XIX: defining neomedievalism(s). Cambridge: D. S. Brewer, 2010.

GUERREAU, Alain. O feudalismo: um horizonte teórico. Lisboa: Edições 70, 1980.

LAUWERS, Michel. De l’incastellamento à l’inecclesiamento: monachisme et logiques spatiales du féodalisme. In: ______ & ALL (orgs.). Cluny, les moines et la société au premier âge féodal. Rennes: Presses Universitaires, 2013. Disponível em: https://www.academia.edu/4804041/De_l_incastellamento_%C3%A0_l_inecclesiamento._Monachisme_et_logiques_spatiales_du_f%C3%A9odalisme. Acesso em: 19 ago 2020.

SALLES, Bruno Tadeu. Constituir a amizade, romper os vínculos, estabelecer o compromisso: a dinâmica dos equilíbrios senhoriais sob a perspectiva das comendadorias templárias de Vaour, Richerenches e Bayle (séculos XII e XIII). Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2013. Disponível em https://bit.ly/3gd2g3l. Acesso em: 22 mai 2020.

STEAM. Stronghold HD. Bellevue (Washington): Valve, 2020. Disponível em: https://store.steampowered.com/app/40950/Stronghold_HD/. Acesso em: 19 ago 2020.

WIKIPEDIA. Stronghold (2001 video game). San Francisco: Wikimedia Foundation, 2020. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Stronghold_(2001_video_game). Acesso em: 19 ago 2020.



Comentários

  1. Olá, Felipe.
    Parabéns pelo trabalho. É realmente um objeto muito necessário e instigante.
    Gostaria de saber um pouco mais sobre o seu entendimento acerca do campo do neomedievalismo no estudo dos jogos contemporâneos. Mais especificamente, queria saber como você enxerga a utilidade das teorias do neomedievalismo no que se refere aos jogos. Vi que você referencia Fugelso, então fiquei curioso pra ver isso mais desenvolvido.
    Abraço.
    Marcelo Berriel

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    1. Olá Marcelo!

      Obrigado pelos elogios. Fico feliz pela oportunidade de dialogar com quem se interessa pelo tema.

      Quanto à sua pergunta, acho que ela tem várias respostas possíveis. Primeiro, porque o conceito de "neomedievalismo" comporta várias definições, ne? Eu escolhi referenciar o Fugelso porque o volume que ele editou vai direto ao ponto e eu o considero uma boa referência inicial para quem quer conhecer as discussões em torno do conceito. Mas outras referências seriam possíveis; dentre todas elas, vou dizer qual eu tenho adotado: gosto da definição simples e direta da Louise D'Arcens, para quem o (neo)medievalismo (ela não parece fazer diferença entre eles) é a “recepção, interpretação ou recriação da Idade Média Europeia em culturas pós-medievais” (Introduction – medievalism: scope and complexity. In: The Cambridge companion to medievalism. Cambridge: University Press, 2016, p. 1).

      Segundo, porque eu creio que o game, enquanto objeto de estudo muito novo, ainda carece de certo investimento teórico, para que os descrevamos e entendamos com precisão, compreendendo, inclusive, suas diferenças internas. É por isso que a minha abordagem, por enquanto, tem sido "taxonômica": eu tenho me preocupado apenas em descrever e fazer análises introdutórias a esse objeto que eu ainda estou conhecendo. Sendo mais direto: a meu ver, um game RTS não pode ser analisado da mesma forma que um MOBA (multiplayer online battle arena), ou um RPG (role-playing game).

      Então, nós temos duas variáveis: a definição particular do conceito e a tipologia específica do objeto. Evidentemente, eu escolhi a definição que mencionei acima porque, dentre todas as definições que eu conheço para "neomedievalismo", ela foi a que me pareceu mais pertinente para analisar um RTS. Se eu estivesse analisando um RPG, talvez tivesse escolhido outra definição, como a do Daniel Kline (Participatory medievalism, role-playing, and digital gaming. In: The Cambridge companion to medievalism. Cambridge: University Press, 2016), ou até as definições do Richard Utz, bastante empregadas para lidar com outros objetos. Isso porque RPGs têm o aspecto da criação de personae que envolve questões identitárias, alteridades e o fenômeno do "othering", por exemplo; são questões muitíssimo importantes, mas elas não aparecem num RTS da mesma forma que num RPG.

      Assim, a "utilidade" (conforme você menciona) do conceito no estudo dos games vai depender da variação dessas especificações: de qual game gênero de game está em questão, e de qual conceito de "neomedievalismo" o pesquisador mobiliza. E, neste ponto, eu sou otimista: acho positivo e enriquecedor que tenhamos vários entendimentos do conceito, porque isso permite ressaltar várias facetas diferentes dos games. Assim como o neomedievalismo tem práticas e compreensões plurais, os games também constituem um objeto bastante diversificado. E assim como estudar uma crônica medieval exige marcos teóricos diferentes daqueles que se emprega quando se estudam hagiografias, tratados ou diplomas, estudar um RTS implica reconhecer que as teorias, métodos e técnicas não necessariamente podem ser os mesmos daqueles que usamos para estudar RPGs.

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  2. Eu acredito que esse tipo de jogo aproxima as pessoas - e os alunos , do universo medieval. Gostaria de saber a opinião do autor.

    Quando propõe que seja usado como ferramenta pedagógica, para quem seria ? Para ensino fundamental e medio , para a universidade?
    Como seria? Todos os alunos jogando o game?
    Em sala, em casa?
    Como seria um trabalho final a partir do jogo?
    Tem experiência com o uso do game como ferramenta didática?

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    1. Olá Sabina!

      Sim, os games aproximam as pessoas da História Medieval. Eu próprio sou fruto dessa cultura: o que despertou o meu interesse pela "Idade Média" e me tornou um medievalista foram os games e os RPGs.

      Sobre a sua primeira pergunta: este texto, especificamente, eu não escrevi pensando no ensino, de qualquer nível; a minha intenção foi a de despertar o interesse, em primeiro lugar, dos próprios medievalistas. O meu intuito foi destacar que um game como Stronghold pode ensejar discussões caras à historiografia medievalística e, portanto, nós, medievalistas, devíamos olhar para ele com atenção. E eu também quis mostrar como isso acontece porque o game é fruto de uma cultura neomedievalista, ou seja, ele é o produto de uma apropriação do passado medieval, que acaba refletindo e disseminando determinadas concepções de como esse passado teria acontecido.

      Mas eu acho que Stronghold pode ser usado em qualquer nível de ensino, por três motivos: não é um game que exige máquinas muito poderosas para ser rodado; é um game de interface simples, fácil de aprender; como eu assinalei no texto, hoje ele está integralmente traduzido para o português, tanto o áudio quanto os textos.

      Contudo, é claro que, para cada nível do ensino, ele deveria ser abordado de um modo distinto. Neste texto, conforme eu anunciei, eu escolhi debater, com Stronghold, duas questões: encastelamento e senhorio. Acho essas questões demasiado avançadas, então julgo que debatê-las entre alunos do Ensino Básico demandaria que o professor fizesse simplificações.

      O grande entrave está justamente no que você parece ter vislumbrado: como incorporar o game num ensino que, via de regra, é feito em sala de aula, com pouca estrutura e em pouquíssimo tempo? Games demandam computadores adequados e muito tempo para serem manuseados. Então, eu aconselharia que fossem usados como instrumentos opcionais, nunca obrigatórios, no ensino.

      Isso eu digo baseado não em experiência própria, mas em relatos de outros pesquisadores. Há algumas experiências desse tipo, publicadas em livros e revistas, feitas por professores da Educação Básica. Referencio-as abaixo.

      Geralmente, os docentes optam pelas alternativas que descrevi acima: nas escolas com melhores condições, equipadas com laboratório de informática, os professores usam os games como atividade complementar, em momentos de ensino fora da sala de aula; já em outros contextos, os professores pedem que os alunos escolham materiais diversos (livros, revistas em quadrinhos, desenhos animados, músicas, jogos, filmes, séries) em que eles identifiquem qualquer coisa de "medieval" e aos quais consigam ter acesso doméstico, e promove uma atividade a partir do material que cada aluno (ou grupo de alunos) escolhe. Geralmente, a atividade passa por fornecer aos alunos um roteiro para guiá-los na observação do objeto que eles escolheram; depois, aplica-se um instrumento avaliativo, como um questionário, para apreender de que maneira os alunos perceberam o material, e quais relações eles conseguiram estabelecer entre o objeto, o conteúdo que o professor leciona em sala e, eventualmente, o livro didático.

      ARRUDA, Eucidio Pimenta. Jogos digitais e aprendizagens: o jogo Age of Empires III desenvolve ideias e raciocínios históricos de jovens jogadores? Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

      COSTA, Marcella Albaine Farias da. Ensino de história e games: dimensões práticas em sala de aula. Curitiba: Appris, 2017.

      LIMA, Hezrom Vieira Costa. Jogos digitais e ensino de história: a cultura histórica em Age of empires II. In: BUENO, André & ALL (orgs.). Jardim de histórias: discussões e experiências em aprendizagem histórica. Sobreontens, 2017.

      Há também podcasts discutindo isso. Vou citar dois:

      ESTUDOS Medievais. Episódio 1: Games e história. Podcast do Laboratório de Estudos Medievais (LEME). Publicado em 5 jul 2020.

      HISTÓRIA FM. Episódio 1– Jogos Históricos: de Roma à Segunda Guerra. Publicado em 6 mai 2019.

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  3. Boa noite! Texto muito bom!
    As minhas perguntas são: De que forma o professor abordaria o jogo em sala de aula? Você indica outro para ser trabalhado com os alunos? Além disso, se for trabalhado no ensino fundamental, deve-se ter cuidado para que os alunos não fiquem viciados e tenham uma visão muito fechada sobre o assunto, nesse sentido, como fazer para que isso não se torne um problema tanto para os alunos, pais e escola?
    Desde já, agradeço.

    Jady Emanuely Amorim Ferreira

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    1. Boa noite, Jady!

      Agradeço pela generosa leitura.

      Em primeiro lugar, veja a minha resposta, acima, às questões colocadas pela Sabina. Acho que as preocupações dela vão na mesma direção das suas e as respostas que dei a ela podem te servir também.

      Eu acho difícil usar o jogo em sala de aula, porque demanda tempo e estrutura. Seria melhor deixar que os alunos jogassem fora da sala de aula, e depois criar mecanismos para problematizar o jogo dentro dela, trazê-los para as discussões da História Medieval, bem como discuti-los em atividades de avaliação da aprendizagem.

      A utilização dos games pode acabar envolvendo os pais, como você vislumbrou, porque talvez eles reconheçam os games somente como objetos de entretenimento, não como objetos de educação, então vão estranhar que um professor peça para seus alunos jogarem. Neste caso, a saída que vejo é uma reunião onde pais e mestres possam se encontrar, para que os professores possam expor a eles uma abordagem construtiva sobre os vídeo-games. O papel dos games no plano pedagógico deve ser comunicada aos pais.

      E sempre é bom lembrar: há games com classificação etária, pois muitos retratam violências e outras coisas inadequadas para o trabalho com crianças. O título deve ser escolhido de acordo com a sua classificação, não só com a sua utilidade.

      O perigo dos alunos ficarem "viciados" também escapa ao controle do professor; ele depende muito mais do controle dos pais, em minha opinião. Afinal, mesmo que o professor não utilize o game em suas aulas, os alunos ainda estão livres para jogá-los nos seus momentos de lazer, em outros ambientes.

      Já sobre a "visão muito fechada", bem, esta é uma questão difícil. O fato é que o game, como qualquer outro objeto da história, precisa ser debatido de forma crítica, como eu insisti em meu texto. Eu acredito que esse é o nosso papel, como professores: mediar a construção do saber a partir de um diálogo crítico com as fontes da história, sejam elas quais forem: textos antigos, pinturas, sítios arqueológicos, músicas, poesias ou vídeo-games. Fontes digitais ou físicas, novas ou antigas; todas elas são pontos de partida do pensamento histórico, não pontos de chegada.

      Então, a minha proposta é a de que o professor comece perguntando a seus alunos se eles jogam, se têm interesse em jogos, quais jogos eles conhecem e preferem; aí pode-se iniciar uma conversa sobre esses objetos, abrindo a porta para que sejam discutidos em sala, ainda que o ato de jogar esteja fora dela. Em outras palavras, a mediação crítica do professor, sua capacidade de intervenção, deve entrar no processo de ensino-aprendizagem justamente para evitar que qualquer visão se feche; não só em relação aos games, mas a respeito de qualquer outro objeto da história. Penso que o professor está ali precisamente para ajudar o aluno a manter a sua visão aberta e a ampliá-la o máximo possível.

      Acima, na resposta que dei à Sabina, referenciei alguns professores que testaram diversos artifícios para problematizar os jogos: questionários, estudos dirigidos, e até o ato de jogar junto, em grupo, caso a escola tenha estrutura e tempo para isso. Recomendo a leitura, pois são relatos de experiências práticas inspiradoras.

      Por fim, eu posso sim recomendar outros games que também podem ser úteis para um professor de História, quando leciona sobre Idade Média. Há uma infinidade de títulos no mercado, mas, por ora, eu gostaria de mencionar Age of Empires II, Total war: medieval e Crusader Kings.

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  4. Olá, Felipe. Achei bem bacana essa comunicação. Joguei muito Stronghold 2 na época que foi lançado. Embora seja mais fã de Age of Empires. Todavia, a dinâmica de administração de Stronghold de você poder administrar um feudo é bem interessante, inclusive até mesmo pode ser usada como material didático para as escolas. Existem também jogos de tabuleiro que recriam essa ideia.

    Minha pergunta é simples: na sua opinião, no Brasil há espaço para uso de videogames como ferramenta didática? Pois nunca os usei nas minhas aulas escolares, apesar que em alguns artigos eu cito jogos, mas tenho amigos que já tentaram aplicar isso nas escolas, uns tiveram êxito e outros foram repreendidos pela coordenação, direção ou por denúncias de pais de alunos, que diziam que o professor "estava brincando" e não dando aula.

    Dr. Leandro Vilar

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    1. Oi Leandro!

      Obrigado pela pergunta.

      Bem, eu dizer, sozinho, que há espaço para os games no ensino de História, no Brasil inteiro, soaria presunçoso e não seria realista. É claro que, em minha opinião, há espaço sim. Porém, eu digo isso mais pela minha vontade pessoal de que esse espaço venha a se consolidar do que por um diagnóstico de que ele realmente já exista.

      Veja as duas perguntas acima, colocadas pela Sabina e pela Jady. Elas refletem a mesma preocupação sua, me parece. Sempre que falamos de games e educação, surgem perguntas como essas. Isso, para mim, demonstra que, a despeito da minha vontade, ainda há muitos entraves, insegurança e dificuldades na instrumentalização pedagógica dos jogos. E eu entendo essa desconfiança, pelo motivo que pontuei na resposta à Jady: a maioria das pessoas (docentes, discentes e pais) ainda compreende o game como um objeto de diversão, não de educação. E pior: para muita gente, os jogos ainda são objetos perigosos, que “viciam” e ensinam coisas erradas – de fato, como eu alertei à Jady, há jogos com temáticas adultas e classificações etárias que não podem ser utilizados no ensino infantil, por exemplo.

      Então, você tem razão: eu também já topei com relatos de professores que tiveram sucesso no emprego didático dos games, e outros que sofreram com isso, que tiveram experiências traumatizantes e enfrentaram a resistência e a condenação de pais, coordenadores e até de alguns alunos. Em suma: o cenário é hostil (inclusive fora do Brasil), não podemos negar.

      Por outro lado, essas mesmas perguntas indicam que também há um crescente interesse, ou, pelo menos, uma crescente curiosidade dos docentes pela função pedagógica dos games. Arrisco três hipóteses para explicar isso: 1) a geração que cresceu jogando (geração à qual eu pertenço) se tornou adulta e está assumindo as salas de aula (e os laboratórios de pesquisa) agora (os alunos-jogadores de ontem agora estão se tornando professores-jogadores, ou pesquisadores-jogadores); 2) o mercado de games tem se tornado cada dia mais pujante, e agora ele não atrai somente o público infanto-juvenil, mas também o adulto; 3) as pessoas estão entendendo que, a despeito da função pedagógica, os games existem e são cada dia mais populares, independente da apropriação feita pelos professores.

      Isso me permite concluir que nós estamos apenas iniciando um processo que ainda levará tempo para maturar: a atribuição de uma certa “dignidade pedagógica” para os games. Isto é: estamos começando agora a compreender os jogos de outras formas e a atribuir outros papeis a eles, então, naturalmente, precisaremos de muito mais tempo, estudo e insistência para convencer o público de que é possível fazer um bom uso educacional desses produtos. E o sucesso dessa empreitada passa pela comunicação e pela divulgação científica, que devem ser capazes de mostrar à sociedade essa utilização.

      PS: eu também prefiro Age of Empires.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Olá Felipe, tudo bem? Parabéns pela comunicação!

    Pelo que pude entender (não joguei Stronghold), o game sugere tanto um princípio de uniformidade estrutural (construções, recursos e relações sociais) quanto de linearidade (grosso modo, no contexto "salão saxão" => castelo). A primeira questão é problemática diante da grande variação de realidades medievais; a segunda também, considerando a concomitância de "temporalidades distintas" em distâncias relativamente curtas (Alta Idade Média nos moldes carolíngios, Idade do Ferro Tardia entres os escandinavos e a "Era Dourada" do Islã, só para citar um caso) e especificidades socioculturais (algo que, por sua vez, o Age of Empires ao menos aludia). Há alguma solução neste sentido proposta pelos desenvolvedores? Como você sugeriria superar tal dificuldade em sala de aula?

    Renan Birro

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    Respostas
    1. Olá Renan!

      Excelente questão.

      Sim, Stronghold é extremamente problemático, nos aspectos que você apontou e em vários outros. Pelo que eu tenho analisado, nesse título e em outros do gênero, os dois problemas que você coloca são comuns: quase todo jogo RTS trabalha, em maior ou menor grau, de um jeito ou de outro, com unidades fechadas, uniformes e homogênas, do ponto de vista interno. Mas faço duas ressalvas nesse quesito.

      1) Quando nós, historiadores, tomamos os games como objetos de problematização de concepções comuns da História, devemos lembrar que eles não foram feitos para isso. Os games não são obras de História. Por mais que eles possam se apropriar de temáticas históricas, eles têm outras intenções (no geral: entreter) e, portanto, lançam mão de outras linguagens e “recursos discursivos”, sem nenhum pudor de que isso altere a história. Um desses recursos, como pontuei, é a exacerbação do poder de um agente só, aquele que o jogador controla. E outro recurso é a uniformização: esse estilo de jogo é estruturado sobre unidades ou blocos que interagem entre si segundo suas semelhanças e diferenças. Pense no Age of Empires (AOE), do qual você lembrou: se, por um lado, ele tem maior grau de nuance temporal, com a ideia de desenvolver o jogo a partir de “idades”, por outro ele é um dos jogos que mais uniformiza as “civilizações”. Ele é divertido precisamente por causa da dinâmica que cria ao colocar em confronto civilizações com especificidades exclusivas e inimitáveis. Em suma: todo jogo, ao menos dentro dos RTS, carrega consigo algum grau de homogeneização.

      2) Assim, é como se a tarefa dos desenvolves fosse escolher o que eles deverão padronizar, e o que eles deverão diversificar, em função dos desafios que eles querem propor aos seus consumidores. Parece-me que o estúdio responsável pelo Stronghold desejou se concentrar na ideia de “castle sim” e não tanto na ideia de guerra e de confrontos civilizacionais, como fez AOE. Daí que eles tenham escolhido um cenário único para ambientar seu enredo (um cenário britânico, para uma empresa e um público britânicos), enquanto AOE comporta uma quantidade muito maior de cenários, missões, mapas e civilizações ou culturas; em contrapartida, AOE não tem o grau de detalhamento que Stronghold tem, no que tange à administração econômica da coletividade que o jogador controla. Stronghold se volta para o mundo interno do castelo/senhorio, enquanto AOE se volta para o mundo externo. Ou seja: nós precisamos, de um lado, compreender que há alguns padrões de linguagem nos jogos, e, de outro, entender que há diferenças entre eles, derivadas do que os produtores desejam oferecer ao mercado. Para nós, o que me parece mais importante é perceber como esses padrões de linguagem e essas intenções mercadológicas afetam as representações e as maneiras como a história é apropriada e recriada.

      Eu, posso estar enganado, mas não vejo em Stronghold nenhuma solução proposta pelos desenvolvedores para resolver ou sequer atenuar o caráter fechado de suas unidades. Mas destaco que um dos trunfos do game, que o torna popular até hoje, é que ele tem um módulo de criação de mapas bastante rico, que permite aos usuários criar seus próprios cenários e jogá-los coletivamente. E isso, aliás, pode ser bem utilizado por professores.

      Por fim: para superar os limites de Stronghold, em sala de aula, vejo dois caminhos: a) a mediação do professor, que deve criticar esses problemas e desconstruir os pontos polêmicos das representações oferecidas pelo game; b) compará-lo com outros jogos, como nós acabamos de fazer com AOE (ou até com outras mídias e objetos). Afinal, é assim que nós superamos as lacunas das fontes históricas, não é? Quando um documento não responde as nossas perguntas, não comporta informações capazes de resolver os problemas que detectamos, nós recorremos a outros monumentos, cruzamos dados e tecemos uma colcha-de-retalhos (ou um quebra-cabeça), um panorama mais complexo e diversificado em torno da questão proposta.

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