Neomedievalismo político no Brasil contemporâneo - Luiz Felipe Anchieta Guerra

 Luiz Felipe Anchieta Guerra

Mestrando em História e Culturas Políticas - Universidade Federal de Minas Gerais. Email: anchietaguerra@gmail.com



“-Você veio de onde?

-Eu venho direto do século XIII!

-Pra quê? 

-Para acabar com vilão Dória!

-E vai conseguir?

-Sim, com a ajuda de vocês.

-Você já a tem!

-Muito obrigado. Que Deus abençoe a nossa luta.

-É nóis.

-Deus Vult!” 


O diálogo acima foi transcrito de um vídeo no qual o youtuber Paulo Kogos aparece vestido com um moletom estampado com uma armadura “templária” e empunhando uma espada e uma bandeira durante um protesto em abril de 2020. A cena como um todo, além do ridículo, evoca também uma outra, mais famosa, na qual em abril um homem vestido de “cavaleiro medieval” apareceu cavalgando, em nome do Instituto Lux, com a bandeira do Brasil e convocando os “patriotas” para enfrentarem os “comunistas e traidores da pátria” em uma manifestação no dia 15 de março. 


Embora ambos os episódios - com suas respectivas fantasias que mais remetem ao carnaval de rua do que à Idade Média - possam, certamente, nos parecer brincadeiras ou devaneios infantis e inexpressivos, eles não deixam de ser um forte sintoma de um fenômeno muito mais profundo. A figura do cavaleiro medieval, em especial o cruzado, aparenta estar cada vez mais consolidada dentro do imaginário político nacional, e juntamente com ele temos um novo ressurgimento da Idade Média por setores da direita conservadora que a apresentam não com uma roupagem de trevas, mas sim de luz (como já alude o nome do Instituto Lux). 


Assim, para que possamos analisar isso de forma mais profunda é necessário, primeiramente entender que tudo isso está longe de ser um fenômeno novo, ou mesmo brasileiro. Muito pelo contrário, o medievalismo político é, em si, talvez tão antigo quanto a própria noção de Idade Média, e suas manifestações mais conhecidas são principalmente aquelas vistas no continente Europeu (como, por exemplo, a pintura de Hitler feita por Hubert Lanzinger). Apesar disso, o medievalismo político se encontra mais enraizado em nosso dia a dia do que podemos imaginar, porém não em seu aspecto nostálgico, como vimos acima, mas sim em sua forma mais popular: a Idade das Trevas.


O mais célebre exemplo dessa faceta não conservadora do medievalismo político no Brasil pode ser encontrado na obra de André Dahmer. O cartunista criou, em 2017, uma série de tirinhas políticas chamada de “O Brasil Medieval”, na qual ele retrata com ironia os aspectos preconceituosos e retrógrados da sociedade e do governo durante a era Temer. 


Nessas tirinhas os protagonistas são sempre representados vestidos de cavaleiros, especificamente a imagem estereotipada dos cavaleiros “cruzados”. Apesar dos trajes “medievais” e da presença frequente de castelos ao fundo, as tirinhas não são ambientadas no período medieval, mas sim no Brasil contemporâneo, sendo os personagens brasileiros da atualidade que abraçaram suas práticas e preconceitos supostamente medievais, tornando-se fanáticos e muitas vezes alheios aos motivos ou fundamentos por trás de suas ações e posições. Além disso os próprios diálogos costumam conter elementos modernos: smartphones, televisão e internet, e giram em torno de debates exclusivamente contemporâneos como as religiões afro-brasileiras e os linchamentos virtuais. 


Conforme mencionado, essa visão está longe de ser exclusiva das obras de André Dahmer. Trata-se de uma percepção bastante difundida e popular não só entre as charges e sátiras políticas, mas também dentro da grande mídia como um todo (como na capa da revista Veja abaixo). Conseqüentemente, ele também acaba sendo comum e reproduzido nas muitas redes sociais que temos hoje, contando com memes, postagens e fotos cujo real alcance é quase impossível de estimar. 

UMA NOVA IDADE DAS TREVAS | VEJA

Figura 01 – Capa da edição 2652, ano 52, no 38, da revista Veja, em 2019, comparando o dito “obscurantismo” do governo Bolsonaro com uma nova Idade das Trevas.


Na mitologia política dominante brasileira, Idade Média e medieval são sinônimos de medo, obscurantismo, irracionalidade e anarquia, totalmente de acordo com o famoso e já muito contestado estereótipo da “Idade das Trevas”. Angústias e soluções contemporâneas são projetadas na Idade Média, juntamente com preconceitos e valores que não podem ser simplesmente transferidos. Racismo, preconceito religioso, sexismo, militarismo e puritanismo são apresentados como atributos medievais, que supostamente estão tomando conta do homem moderno e mais esclarecido, fazendo-o retroceder à dita Idade das Trevas. Período esse que não é apenas visto como conservador, mas também apolítico e, por vezes, até antipolítico, estando a política diretamente associada a um ideal de Modernidade. Como aponta o professor Leandro Rust, o postulado que fixa a política como resultado de um processo de secularização - e, portanto, reafirma um caráter antipolítico para a Idade Média - ainda é uma ideia muito forte, quase um imperativo (RUST, 2018). Esse é o tipo de “medievalismo político” mais recorrente no Brasil atual: os progressistas parecem presos à ideia de que nós, como sociedade, estamos nos tornando cada vez mais medievais.


Curiosamente, temos que esse uso mais difundido da ideia de medieval no material político acaba sendo muitas vezes negligenciado como objeto de estudo por ser “naturalizado”, tornando-se um lugar-comum discursivo e definitivamente não causando tanto impacto ou comoção quanto os exemplos do início deste texto. Mas ainda assim nos fornece farto material sobre como a ideia da Idade Média e da “Idade das Trevas” é percebida e mobilizada por discursos políticos que se propõem como mais “progressistas”, sejam eles alinhados à esquerda ou à direita. 


Se para um lado do espectro político chamar alguém de “medieval” é uma ofensa, para o outro lado - aquele que costuma ser referido como “medieval” - pode, por vezes, ser até um elogio. Alguns grupos mais conservadores alinhados com a direita e geralmente de uma afiliação religiosa (principalmente, mas não exclusivamente, católica) muito vocal, abraçam a alcunha de medieval com orgulho, como símbolo de um passado glorioso, não manchado pelas “degenerações” da modernidade e laicidade. Muitas vezes, isso é baseado na suposição de que a Idade Média foi "a Idade de Ouro do Cristianismo" - muito difundida por autores como o missionário Felipe Aquino e páginas como o blog Apologistas da Fé Católica. Isso geralmente é seguido por um comportamento extremista contra outras religiões, como o anti-semitismo e a islamofobia, e até mesmo contra os protestantes que são frequentemente chamados de "hereges". Apesar disso, a maioria das altas autoridades católicas do país e do mundo, como a Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), não se filiam a essas ideias e, muitas vezes, condenam esse discurso; e como resultado, muitos desses grupos se identificam como sedevacantistas, alegando que muitos bispos e até mesmo o Papa são “comunistas infiltrados”.


Ainda que mais comum na Europa, o uso de um passado medieval para justificar comportamentos extremistas ou opressores, semelhante ao que Patrick Geary aponta no Mito das Nações, não é inédito no Brasil; mas ele também nunca foi uma grande parte da mitologia política dominante. Seus usos e aparições nunca foram parte fundamental do portfólio de auto representações da direita nacional, sendo, como vimos, mais uma alcunha negativa. 


O principal exemplo, que se enquadra nessa categoria de medievalismo político conservador, até aos acontecimentos mais recentes, talvez fique a cargo da TFP - Tradição, Família e Propriedade. Utilizando túnicas, flâmulas, brasões, e até mesmo escolhendo um leão rampante como sua bandeira (figura abaixo), desde sua fundação na década de 1960 a TFP (e posteriormente os Arautos do Evangelho) sempre teve grande afinidade pelo medieval. Relação essa que pode ser ainda mais evidenciada nas obras de seu fundador, Plínio Corrêa, que contam com títulos como “Idade Média: caluniada por ser realização da Cristandade na História”, e também em diversos textos de outros autores disponíveis no site da instituição. 

A sign hanging on a wall

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Imagem 02 - Plínio Corrêa, fundador da TFP, palestra no Auditório São Miguel em 1985. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Palestra_de_Plinio_Corr%C3%AAa_de_Oliveira_no_Audit%C3%B3rio_S%C3%A3o_Miguel_da_TFP_em_S%C3%A3o_Paulo.jpg


Assim, retomando o que foi falado anteriormente, o medievalismo político claramente 

não é um fenômeno novo no Brasil e no mundo. Todavia, essas manifestações mais recentes de “cavaleiros da extrema direita”, como no caso do Instituto Lux, são, de certa forma, um fenômeno novo no Brasil. Ou pelo menos novo no que diz respeito à sua popularização e destaque para fora de nichos como a TFP, e à sua estrutura que como veremos adiante se enquadra mais dentro da subcategoria de neomedievalismo.


Essa forma de medievalismo político vista no vídeo da Lux traduz, diretamente outro fenômeno global: a recente ascensão de uma nova direita conservadora (muitas vezes chamada de alt-right ou direita alternativa) ao poder e o crescente protagonismo dos meios de comunicação e das formas de linguagem virtuais no mundo da política tradicional. Fenômeno este que tem como seu grande marco a eleição de Donald J. Trump à presidência dos Estados Unidos da América em 2016, que protagonizou seu próprio boom de imagens neomedievais durante a campanha e mesmo depois.


E essa explosão foi global, conforme resumido na imagem abaixo (imagem 03), atingindo diversos países. A ilustração original representa um cavaleiro cruzado anônimo, de capacete, empunhando uma bandeira com a cruz da ordem, sem nenhum elemento contemporâneo, mas ela foi apropriada por diversos grupos ao redor do mundo para representar seus candidatos e líderes de extrema direita. E assim, como resultado, temos os respectivos líderes retratados como cavaleiros templários, cavalgando seus cavalos para a direita (talvez um detalhe intencional para sugerir suas tendências políticas); eles trazem ao lado um escudo e empunham uma lança, na qual estão içadas as respectivas bandeiras de seus países. 

A picture containing photo, indoor, different, doll

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Imagem 03 – Coleção de diferentes versões da mesma imagem com líderes políticos distintos. Cada imagem pode ser respectivamente encontrada nos seguintes links (tentamos compilar as incidências mais antigas de cada uma, quando possível): https://i.redd.it/y5rcq8ejdcnx.jpg, publicado em 26 de setembro de 2016; https://img.4plebs.org/boards/pol/image/1485/27/1485271437452.jpg, publicado em 30 de janeiro de 2017; https://img.buzzfeed.com/buzzfeed-static/static/2017-05/8/6/asset/buzzfeed-prod-fastlane-02/sub-buzz-28174-1494238512-1.png?downsize=360%3A%2A&output-format=auto&output-quality=auto, publicado em 30 de maio de 2017; https://pbs.twimg.com/media/DK5wT_jW4AAqMPd.jpg, publicado em 30 de setembro de 2017. 


Outros dois detalhes muito importantes dessas imagens são o fato de que todos os líderes, principalmente os homens, são representados em suas versões mais jovens, talvez numa tentativa de passar uma imagem mais forte e viril; e a figura do papa que traz o rosto do personagem/meme Pepe the Frog, que se tornou um popular meme político da extrema direita nos EUA e em outros países, chegando, inclusive a ser classificado como discurso de ódio pela ADL (Anti Defamation Language). Além disso, a mais antiga dessas imagens, pelo que podemos levantar, é a do próprio Trump, e isso é bastante sintomático. Ainda que essas conclusões não estejam extremamente claras no momento (se trata de um fenômeno que ainda está se desenrolando), isso aparenta nos indicar que a campanha de Trump em 2016 e, mais importante, seus apoiadores dentro de fóruns e subgrupos na internet foram os principais responsáveis pela difusão dessa nova onda de neomedievalismo político pelo mundo. 


O Brasil, obviamente, não ficou de fora dessa série, contando com sua própria releitura das imagens acima e que, curiosamente, talvez seja a mais distinta delas. Nela (figura 04) vemos quase todos os mesmos elementos aqui já narrados: Bolsonaro cavalgando para a direita e portando indumentárias “templárias”. Entretanto é interessante notar que a figura de Pepe the Frog não se encontra presente, sendo substituída pelo já finado guru da extrema direita Enéas. Essa troca pode ser causada pela combinação de alguns elementos, principalmente a menor popularidade de Pepe como um meme no Brasil em relação aos Estados Unidos, ao fato de que em 2018 esse meme já poderia ser considerado “velho” (fator importante a ser considerado quando lidamos com conteúdos virais), e principalmente uma tentativa de certos grupos de aproximarem a figura de Bolsonaro à de Enéas como uma espécie de legado do conservadorismo. 

A person riding a horse

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Imagem 04 – Foto do então canditado Jair Bolsonaro vestido como um cavaleiro templário. Publicada em 27 de agosto de 2018 August 27, 2018.


Além disso, notamos também que diferentemente dos outros “cavaleiros” Bolsonaro não traz consigo a bandeira atual de seu país. Ao invés da bandeira republicana ele porta a bandeira do Império Brasileiro, de 1822, símbolo ainda muito empregado por grupos monarquistas. Novamente mais um aceno da imagem para setores específicos do conservadorismo, mas também uma mudança que pode ser lida na chave da negação de um sistema democrático/republicano que é, como vimos, extremamente associado com a ideia de modernidade, da qual essa imagem parece buscar ao máximo se distanciar. 


Por fim, o elemento talvez mais notável da imagem é o fato de que Bolsonaro é representado (elemento comum no neomedievalismo brasileiro de direita) com óculos de sol “pixelados” em seu rosto. Essa escolha aparentemente incongruente, é uma evocação clara do meme "deal with it" (lide com isso), frequentemente utilizado como resposta em provocação à desaprovação de alguém. Criado em 2010, a associação desse meme com Bolsonaro vai muito além das eleições de 2018, remontando aos seus tempos de deputado federal, quando era notório por posições e frases escandalosas, polêmicas e limítrofes. Esse comportamento lhe rendeu por parte de seus apoiadores o apelido de “Mito”, originado da gíria da internet “mitar”, que era frequentemente utilizada em conjunto com este meme. Dessa forma, Jair Bolsonaro é frequentemente retratado com esses óculos mesmo para além do medievalismo político.


Assim, de Paulo Kogos ao Bolsonaro, passando pelo Instituto Lux e pelas diversas páginas brasileiras de “memes” medievais e as tirinhas de André Dahmer, vemos uma Idade Média repleta de elementos e conexões completamente anti-históricas. Templários queimando bruxas, cavaleiros enfrentando o comunismo, internet e óculos escuros, nada disso tem relação real com a Idade Média. Como historiadores e estudiosos nós sabemos bem disso, entretanto muitos dos criadores desses memes e vários dos “templários da Internet” podem na verdade saber disso também. Essa desvinculação do passado histórico “real” não deve ser simplesmente atribuída à ignorância; pelo contrário, ela está fundamentalmente ligada à natureza desses conteúdos, nos quais tanto a esquerda quanto a direita disputam o sentido de um passado medieval que ambas desejam mobilizar como instrumento político contemporâneo, e para os quais a precisão histórica se torna uma preocupação secundária ou mesmo inexistente. 


Isso nos leva à ideia de neomedievalismo e o porquê de denominarmos essa forma mais recente de neomedievalismo político, diferenciando-a assim de outras formas mas tradicionais de medievalismo político, como a praticada pela TFP, que ainda se preocupam com remeter a um passado histórico específico e “real” embora muitas vezes errôneo. Remetendo ao que disse Richard Utz, o Neomedievalismo não é nem original nem a cópia fiel do original, mas algo inteiramente 'Neo' que ludicamente oblitera a história, a autenticidade e o rigor historiográfico, substituindo suas referências históricas por imagens já descoladas. No entanto, seu aspecto lúdico deve ser entendido aqui como um componente do próprio Neomedievalismo, e não de suas conotações e implicações. Isso, portanto, de forma alguma isenta esses conteúdos de todas as conotações políticas que apontamos ao longo deste texto, podendo, inclusive, acrescentar mais uma: já que por meio de sua fachada “lúdica” e descontraída, o Neomedievalismo pode, intencionalmente ou não, se blindar das críticas por ser “apenas uma brincadeira”.


Estudos sobre o medievalismo político não são tão recentes, com a temática já sendo abordado em trabalhos pelo menos desde a década de 1990, mas focando principalmente nos medievalismos do romantismo e suas relações com os nacionalismos tradicionais na Europa. Todavia ele vem se expandindo para além das fronteiras da Europa e se reformulando, principalmente ao longo da ultima década, com o pontapé inicial no tímido artigo-livro de Bruce Hollsinger: Neo Medievalism, Neo Conservatism and the War on Terror, de 2007, mas que realmente decolou com a onda de neomedievalismos políticos vistos nas eleições dos EUA em 2016. Com isso, vários outros autores de diversas formações lançaram também suas contribuições ao debate, que vem cada vez mais se configurando como um campo de estudos conectado, que apesar de incipiente, já conta com alguns trabalhos de peso, dentre os quais destaco Medieval Imagery in Today's Politics (2018) de Daniel Wollenberg, The Devils Historians (2020) de Amy Kaufman e Paul Sturtevant, The Militant Middle Ages (2019) de Tommaso Falconieri, e The Gothic Future of Eurasia (2019) de Dina Khapaeva, todos infelizmente sem tradução para o português. 


Já sobre o medievalismo e neomedievalismo político no Brasil o debate ainda vem se formando, aos poucos, ganhando mais e mais espaço no mundo acadêmico com trabalhos como o texto Por que a extrema direita brasileira ama a Idade Média europeia (2019) de Paulo Pachá e Ontem e hoje, o porta estandarte. Reflexões sobre os usos do passado medieval, a estética bolsonarista e os discursos recentes da direita brasileira (2020) de Carlile Lanzieri, mas ainda há um grande percurso a ser trilhado. Principalmente em relação ao grande desafio de se estudar esse medievalismo de maneira consciente do seu lugar de origem, ou seja, levando em consideração que se trata de um elemento do passado europeu sendo reivindicado em uma ex colônia europeia, e que isso trás claras implicações de um pensamento colonizador. 


Voltando aqui brevemente ao Instituto Lux Brasil uma última vez, podemos analisar essa faceta do neomedievalismo político brasileiro com um exemplo. No site do Instituto, na sessão sobre, podemos encontra hoje apenas a apresentação do presidente da instituição (as dos outros membros foram removidas após a imprensa revelar que um deles era abertamente nazista), e a forma com a qual essa apresentação é feita é extremamente sintomática. A longa série de slides sobre a vida de Emilio Dalçoquio Neto se inicia enfatizando as raízes europeias de seu nome e sua ancestralidade italiana. Percebe-se, assim, essa constante do passado europeu, ou melhor o passado de uma pequena parte da Europa Ocidental, sendo mobilizado como um componente do passado brasileiro, tópica essa que é retomada ao longo dos slides. 


Partindo aqui, do pressuposto de que nenhuma nuance do discurso é isenta, mesmo que acidental. Ou seja, que o autor dos slides pode se quer ter refletido sobre começar sua apresentação dessa forma, mas que o fato dele tê-lo feito, em si, já nos diz muito sobre as formas de legitimação dessas mobilizações do passado medieval no Brasil. Fica claro, nesse caso como as ideias de longa duração e longa idade média, embora relevantes em seus contextos, podem ser extremamente perigosas quando empregadas de maneira acrítica no mundo colonizado.


Seria de extrema inocência simplesmente comparar uma figura de Jair Bolsonaro representado como cavaleiro cruzado com uma semelhante de Marine Le Pen, e assumir que elas são equivalentes, sem levar em consideração o fato de que uma está apelando para um nacionalismo e um passado local, enquanto o outro não. Portanto, uma perspectiva pós-colonial torna-se importantíssima parar os estudos do medievalismo e neomedievalismo políticos no Brasil. Visando assim descolonizar a Idade Media como um constructo global, como propões Jon Dagenais e Margaret Greer em seu famoso texto, mas também levando em conta como as realidades locais e as especificidades de cada processo colonial refletem ainda hoje nas nossas relações com o passado Europeu, como podemos ver em diversos textos na coletânea Medievalism in the Postcolonial World, de Nadia Altschul. 


O Brasil não teve passado medieval e incorporar esse elemento do passado de nossos colonizadores não deixa de ser, de certa forma, um modo de perpetuação do discurso colonial, afinal seríamos então um pedacinho de Portugal nas Américas. Passim, pnsar a Idade Média no Brasil na chave dessa longa duração pode incorrer em situações perigosas nas quais fragmentos da Europa “primitiva” ainda vivem nos cantões de nosso país. Essas tais “heranças” e “permanências” medievais resultam na ideia uma terra presa em uma temporalidade distinta, vivendo um tempo já vivido por outras partes do mundo.


Assim, enfatizamos aqui, uma última vez a importância de se estudar esses neomedievalismos políticos e não apenas descartá-los como meramente simplórios ou errôneos, pois como vimos aqui eles sempre carregam consigo outros elementos mais profundos: de uma exaltação do passado europeu a discursos de ódio contemporâneos e muito mais. Memes são lúdicos e engraçados por definição, mas isso não significa que não possam ou devam, também, serem levados a sério. Eles são nada menos do uma das formas de linguagem mais prolíficas e difundidas atualmente em uso e, portanto, não deveriam ser tão facilmente ignorados. Assim como em 2015, a ideia de Donald Trump como presidente dos EUA não passava de uma piada, e em 2016 Jair Bolsonaro era visto apenas como uma fonte problemática de memes “engraçados”, associações entre neomedievalismo e conservadorismo podem agora parecer pouco mais do que uma bufonaria. Talvez seja a hora de nós, acadêmicos, começarmos a levar as coisas “engraçadas” e “lúdicas” mais a sério.


Referências bibliográficas: 

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DI CARPEGNA FALCONIERI, Tommaso. The Militant Middle Ages: Contemporary Politics Between New Barbarians and Modern Crusaders. Brill, 2019.

FIGUEIREDO, Camila Neves; GUERRA, Luiz Felipe Anchieta; RUST, Leandro. Entrevista com Leandro Rust. Temporalidades, v. 10, n. 2, p. 419-427, 2018

FITZPATRICK, KellyAnn. (Re) producing (Neo) medievalism. 2015. Tese de Doutorado. University at Albany. Department of English.

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GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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KOCH, Ariel. The New Crusaders: Contemporary Extreme Right Symbolism and Rhetoric. Perspectives on terrorism, v. 11, n. 5, p. 13-24, 2017.

LANZIERI JÚNIOR, C.. Ontem e hoje, o porta estandarte: reflexões sobre os usos do passado medieval, a estética bolsonarista e os discursos recentes da direita brasileira. Roda da Fortuna, v. 8, p. 161-180, 2020.

PACHÁ, P. H. C.. Why the Brazilian Far Right Loves the European Middle Ages. Pacific Standard, California, 18 fev. 2019.

ROBINSON, Carol L.; CLEMENTS, Pamela. Living with neomedievalism. Studies in Medievalism, v. 18, p. 55-75, 2009.

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RUDNITZKI, E. ; OLIVEIRA, R. ; PACHÁ, P. H. C. . Deus vult: uma velha expressão na boca da extrema direita. Agência Pública, 30 abr. 2019.

UTZ, Richard. Past, Present, and Neo. 2014.

WOLLENBERG, Daniel. Medieval Imagery in Today's Politics. Arc Humanities Press, 2018.

Comentários

  1. Achei sua reflexão bastante coerente, os grupos de extrema direita (sobretudo os ultraconservadores católicos) possuem um grande fascínio pela idade média, esse fascínio pode ser explicado pelo fato da igreja católica ter sido extremamente poderosa no período medieval, e esses grupos logo associam o poder da igreja com uma sociedade livre de pecados e com um Deus ainda mais presente (jogando doenças sobre os pecadores, etc). No Brasil, esse fascínio se evidencia por essas imagens que o senhor tratou, mas também pelo fato de grande parte da base apoiadora do atual presidente ser monarquista (a bandeira imperial se tornou um símbolo da extrema direita).
    Abs, Aurélio Henrique Barros Arruda Rocha - UFG

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    1. Sim, com certeza existe uma grande nostalgia católica pela Idade Média, mas o curioso é que dentre os protestantes neo-pentecostais existem alguns movimentos similares, incluindo uma Igreja (evangélica) Templária. Já os monarquistas, muitos deles se enquadram nesses grupos fascinados pelo medievo, mesmo o Império Brasileiro sendo nada medieval, já que a modernidade é muito associada com democracia e república

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  2. Parabéns pelo seu texto, como você disse, é evidente que a extrema direita tem um fascismo pelo período medieval, como pôde ser visto nas montagens usando o Presidente da República usando uma roupa de cavaleiro templário, ou a apropriação da frase "Deus Vult" por católicos radicais. Esse fascínio pelo medieval por parte desse grupo pode ser explicado pela influência que a igreja católica tinha naquele período?

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    1. Muito obrigado! Respondendo sua pergunta, acho que a influência da Igreja (e em certa medida da fé cristã também) é sim uma explicação para o fascínio, principalmente por parte dos grupos filiados ao catolicismo. Mas está longe de ser a única, os entusiastas da Idade Média que bradam Deus Vult por ai englobam outros grupos e credos de maneiras que podem até parecer incoerentes a primeira vista. Tem judeu, católico, protestante, ateu e principalmente tem muito cristão sem filiação. Então eu somaria a esse fator da igreja alguns outros como a ideia de um período muito fervoroso cristao, a ideia de belicosidade, nobreza, etc

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  3. Boa tarde, Luiz.

    Acho seu texto realmente esclarecedor e importante nos dias de hoje. Gostaria que você falasse a relação entre liberalismo e a ideia de um medievo obscurantista, visto que na maioria das vezes os elementos da chamada "esquerda social-democrata" que não se opõe ao liberalismo, assim como figuras midiáticas expoentes da autointitulada "direita civilizada liberal" como Reinaldo Azevedo, Carlos Andreazza e grande parte dos consórcios jornalísticos brasileiros, frequentemente caracterizam a extrema direita (e também a esquerda, como nota-se na adjetivação presente cobertura dos protestos contra Aliaksandr Lukachenka) como "medievais" para se mostrar como o progresso e o ápice de uma civilização.


    Também, se possível, gostaria que falasse um pouco sobre o tratamento dado por ideólogos tanto da direita quanto a esquerda à sociedades não-europeia mas caracterizadas por um estereótipo de atraso e relações consideradas medievais, por exemplo as sociedades árabes, em certo sentido "medievalizando-as".

    Abraço,
    Leandro César S. Neves

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  4. Muito interessante essa relação entre a politica atual e a politica medieval ressaltando elementos de aproximação.
    Gostaria de saber como chegou a esse tema? É o seu tema de pesquisa no mestrado?

    Parabéns!
    Cleberson Vieira de Araújo

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    1. No caso meu foco não é a política medieval, mas sim os usos de imagens e temas "medievais" na política de hoje. Eu cheguei nesse tema por acaso, ele tangencia o meu mestrado sim, mas não é o foco. Meu foco é idade Média nas mídias brasileiras, mas acabei me deparando com esse subtema enquanto colhia materiais e ele acabou se tornando meu principal interesse.

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  5. Olá, Luiz! Parabéns pelo excelente texto e pela riquíssima reflexão - mesmo em espaço limitado - levantada. Compreendendo que o foco do seu texto concentra-se no estudos das manifestações e dos usos políticos do passado medieval por grupos neoconservadores que estão, ao mesmo tempo, "requentando" e estabelecendo diretrizes simbólicas em torno de uma compreensão da Idade Média, gostaria de saber como seria possível mapear apropriações acríticas e reprodutoras do senso comum no campo dito "progressista". Embora tais usos e abusos da Idade Média sejam potencialmente mais danosos sob a égide de uma orientação conservadora e reacionária, como matizar essas questões dentro do que parte dos setores de esquerda compreendem em relação à ideia de "obscurantismo", "repressão" e "atraso" associada terminantemente ao medievo? Seria temerário dizer que tais discursos "demonizantes", em certa medida, auxiliariam uma apropriação anacrônica e perniciosa da Idade Média pelos grupos de direita?

    Grato pela atenção e parabéns mais uma vez pelas questões mobilizadas!

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    1. Sim! Do mesmo jeito que podemos falar de um neomedievalismo de direita ou conservador, existem também os neomedievalismos progressistas, como por exemplo "nós somos as netas das bruxas que vocês não queimaram. Existe repúdio e fascínio pelo medieval de ambos os lados, é sempre uma relação ambivalente. Em um capitulo meu que deve ser publicado ano que vem eu exploro mais essa relação entre os dois lados da coisa. Embora meu maior foco ainda seja nos produtos bolsonaristas eu falo da possibilidade de um fenômeno de retroalimentação, na qual os dois lados usam elementos ditos medievais para se exaltar e para criticar os outros, gerando uma espécie de fenômeno do ovo e da galinha, no qual nao da pra definir quem começou. Além disso, existe uma clara relação de resposta em algumas manifestações, como por exemplo grupos que resolveram se entitular "medievais" depois de serem criticados como tais. Acho que um dos grandes problemas dessa recente apropriação do medieval pela direita brasileira, e provavelmente o motivo dela ter assustado tanta gente, é a forma como a apropriação não conservadora (que vai para além da esquerda, vide a capa da Veja) está tão naturalizada no nosso imaginário.
      É sempre importante levar isso em conta, não se combate a Idade do Ouro sem combater também a Idade das Trevas, no meu ver ambas são, no fim do dia, facetas do mesmo fenômeno. E esse combate tem sempre que ser cauteloso também, não é incomum que colegas bem intencionados acabem acidentalmente alimentando ideias de uma Idade Média idílica (sem racismo, sem violência, sem doenças, sem questão de genero/sexo, etc) ao tentarem desconstruir mitos de uma Idade das Trevas e acabarem "pecando pelo excesso".

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    2. Muitíssimo obrigado, Luiz! De fato, o exemplo que citastes acerca das bruxas é um dos mais sintomáticos acerca disso. Em que pese a compreensão e até mesmo uma possível empatia para com o conteúdo das reivindicações levantadas por esse tipo de discurso, há que se matizar o entendimento da Idade Média para além da ainda presente noção de “noite dos mil anos”. Espero poder ler mais trabalhos seus. Parabéns e obrigado pela atenção!

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  6. Olá Luiz, excelente texto! Creio eu que essas questões tem que ser analisadas pelos medievalistas competentes com urgência! Gostaria de salientar que o Paulo Kogos só é a ponta do Iceberg para esses movimentos anarcocapitalistas, que muitos deles veem a Idade Média de maneira idealizada. Fora que, se eles defendem um fim do estado - por mais que anarquia e capitalismo sejam contraditórios em termos -, não seria interessantes nos atermos a estes grupos mais categoricamente? Se aterem tanto a uma era pré-capitalista para questionarem o status quo da democracia liberal? Eu acho que seu texto nos trás riquíssimas contribuição mas acho prudente descermos um degrau a baixo.

    Rodrigo Fernandes Vicente

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    1. Muito obrigado! Sim, o Kogos é só a pontinha da coisa, existem muitas camadas abaixo, nos porões da internet, chans, forums, grupos de WhatsApp e deepweb....aos poucos venho tentando me aprofundar nesses lugares, me infiltro, coleto informações, etc. Encontrei inclusive um grupo chamado Sacrofascismo Romano.
      Mas respondendo sua pergunta, acho que sim, um foco nos ancaps seria bem interessante, talvez para a versão final desse texto ou mesmo outra publicação. Eles tem toda uma ideia do medievo como uma era de ouro do "Anarquismo Cristão"(sic), um tempo sem estado (dizem), e no qual os homens se auto regulavam na lei divina. Entretanto eles são um dos grupos nos quais menos me aprofundei ainda. Mantive meu foco principalmente em grupos menos ligados ao liberalismo até o momento, então ainda preciso de mais estudo nesse aspecto.

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  7. Muito interessante o uso dos memes,figura tão usada atualmente em toda internet que hoje em dia é um dos maiores meios de comunicação, e de fato nós acadêmicos devemos levar essas figuras mais a sério, e como foi mostrado no texto podem até mesmo serem usadas na explicação de assuntos sérios. Em geral. o texto está ótimo. Parabéns.


    Abraços
    Miriára Santos Farias

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  8. Bem apontado e trabalhado. O neomedievalismo para fins políticos acaba contribuindo para uma visão ainda mais negativa sobre a Idade Média europeia. Pois os adeptos se valem de discursos antiquados e obsoletos para defender causas atuais, que por sua vez, levam os opositores a não apenas criticarem isso, mas também a propagar uma visão negativa do medievo, dando mais material para difusão da "idade das trevas".

    Eu como estudioso de medievo, já testemunhei de amigos da academia, apresentarem opiniões preconceituosas e até ignorantes sobre o medievo, e inclusive associando tudo que está relacionado com ele, sendo algo ruim. O que você poderia comentar a mais sobre isso?

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    1. Acho que são dois fenômenos muito interligados. Embora eu não tenha elaborado nesse ponto aqui, eu trato melhor disso em um capítulo que deve ser publicado no ano que vem. Com certeza essa Idade Média de ouro acaba refletindo em um repúdio pelo tempo como um todo por parte dos setores menos conservadores da sociedade, e isso por sua vez, pode fortalecer a Idade das Trevas. Acho que acaba acontecendo um fenômeno de retroalimentação, no qual um lado do espectro chama o outro de medieval e o outro se identifica, assim tanto a exaltação da Idade Média acaba fortalecendo a Idade das Trevas do jeito que você apontou, como também existe o movimento no sentido inverso. Um exemplo seriam os vários memes feitos sobre queimar bruxas como sendo algo positivo.

      Com isso as coisas ficam cada vez mais difíceis para os medievalistas, se torna, talvez mais do que nunca, importante se falar seriamente da Idade Média aqui no Brasil, tentando derrubar alguns mitos e preconceitos. Mas esse trabalho é sempre difícil, algumas vezes com as boas intenções de "retratar" a Idade Média, temos que ter cuidado para não pecar pelo excesso. Já presenciei alguns colegas (cujas opiniões políticas com certeza são contrárias a essas aqui tratadas) que ao acabaram se complicando assim, acabaram passando (sem querer) a ideia de um medievo paradisíaco, como se todos os problemas fossem culpa da modernidade. Esse é um equilíbrio muito difícil

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  9. Prezado, Luiz. Excelente apresentação, sua análise contribui com as novas reflexões historiográficas acerca do neomedievalismo no Brasil e é um passo a mais nesse processo de problematizar os usos do passado feitos pelas extrema-direita.
    Com a seguinte questão, pretendo levantar o debate do ensino de história e os desafios diante do neomedievalismo para o chão da sala de aula.
    Sabemos que há um hiato entre a dita superação acadêmica do "Dark Ages" e o que os livros didáticos, apostilas e outros materiais educacionais reproduzem. Além de uma visão tradicional e estigmatizada da Idade Média. Romper com tais perspectivas tem sido um trabalho ativo e constante entre muitos docentes. No entanto, uma enxurrada de propagandas, representações negativas, ditados comuns e anedotas (a exemplo, o recente comercial da Vivo em que retrata planos de internet com baixa velocidade como medievais) reforçam esse problema e impõem novas dinâmicas e abordagens.
    No âmbito do neomedievalismo, temos os usos triunfalistas dos templários a fim de revestirem seus representantes como modelos ideais, uma tentativa ideológica de propor rasas analogias, inverdades sobre o passado e a reconstituição de um “neomedievalismo à brasileira” que se faz como demanda de interesses de determinados grupos.
    Diante disso, como propor uma abordagem pensando na sala de aula, em suas necessidades e em suas limitações? Ainda que o âmbito da sua pesquisa, conforme comentado acima, não tenha como foco o ensino, qual a sua perspectiva sobre isso? Seria possível cruzar uma abordagem que desse conta de tratar o “Dark Ages” e o neomedievalismo? Complexificar a ideia de Idade Média seria um caminho, mas quais mais poderíamos lançar mão?
    Grato pela atenção!

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    1. Essa é uma pergunta que eu sempre me faço. Muito difícil, não sei se conseguirei te responder, mas vou tentar.
      Primeiramente vou me referir aqui à Idade das Trevas e Idade do Ouro para diferencias essas duas visões exageradas e problemáticas do período, seja na forma de medievalismo ou neomedievalismo.
      Como eu apontei em comentários acima, acho que existe uma relação quase simbiótica entre as duas. Uma retroalimentação na qual um estereótipo fortalece o outro, muitas vezes (mas nunca apenas) pela pura indignação mesmo: "já que me chamam de medieval entao vou virar templário". Com isso sempre que vamos desconstruir a Idade das Trevas temos que ter muitíssimo cuidado para não construir no lugar dela a Idade do Ouro (erro muito comum).
      Os livros didáticos são outro grande problema. Embora a maioria dos que eu conheça e/ou tenha usado mencionem que a Idade das Trevas não existiu e que isso é um preconceito (geralmente em algum cantinho da primeira página do capítulo),vemos que isso só é "para inglês ver" e que os capítulos em si reproduzem o mesmo conteúdo se abstendo apenas do termo "trevas"e de alguns outros. Então temos esse estranho descompasso, como você já disse.
      Assim, acho que a primeira parte dessa resposta seria que mais medievalistas particiapassem da elaboração de materiais para sala de aula, ou mesmo se interessassem por esse mundo como um todo. É muito comum ouvir críticas ao ensino básico de pessoas que não pisam fora da universidade há décadas.
      Agora para se tratar dos (neo)medievalismos políticos em sala de aula temo um desafio ainda maior, no meu ver, uma vez que eles estão as vezes muito naturalizados. Não adianta falar na aula de História que a Idade Média não foi um período de trevas se na aula de Português o professor vai passar uma charge do Brasil Medieval e tratar de maneira acrítica. Assim, acho que, em condições ideais, isso poderia render um projeto interessante entre as duas disciplinas, e talvez incluindo a Geografia política também. Tentando tratar essas imagens e coteudos através da interpretação de texto, mas se atentando para os usos da história como retórica, o que não deixa de ser mais uma camada de interpretação, e levando em conta os contextos políticos do momento. Atividades assim, analisando algumas peças "históricas" de medievalismo político, como o quadro de Hitler por exemplo, ou mesmo exemplos atuais de charges, me parecem uma boa forma de se trabalhar com alunos dentro das ditas competencias exigidas pelo MEC (não me lembro quais os números das contempladas, mas imagino que você saiba bem do que estou falando), podendo, inclusive, ser adequado como conteúdo estilo ENEM (já que essa lógica mercadológica nos obriga a isso.

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  10. Olá Luíz.

    Gostaria de parabenizar pelo excelente texto. Extremamente contemporâneo e uma crítica construtiva . Desejo que comente como escolas e universidades devem agir contra esse avanço neomedievalismo da extrema-direita conservadora, para não produzir mais “Bolsonaros” e “Trumps”. Levando em conta que os livros didáticos ainda traz uma abordagem arcaica e superficial.

    Abraços,

    Lívia Maria da Silva Souza

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