Historical Reenactment & Living History ou Recriação Histórica & História Viva: Breves apontamentos teóricos sobre estas expressões socioculturais do medievalismo - João Batista da Silva Porto Junior

João Batista da Silva Porto Junior Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF) / Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Email: jbporto@gmail.com


O Historical Reenactment e o Living History, quando associados ao tradicional recorte temporal da Idade Média, podem ser considerados como proeminentes expressões socioculturais do medievalismo. Apesar de praticados há muito tempo, foi a partir do final do século passado e início do novo milênio, que esses movimentos se popularizam e ganharam notoriedade, comprovando o fascínio que ainda hoje a Idade média exerce sobre o imaginário popular. Apesar da ênfase passadista e nostálgica, a célere propagação do Historical Reenactment, e do Living History está, paradoxalmente, relacionada a um conjunto de fatores contemporâneos por excelência, como o desenvolvimento da internet, amplificação dos meios de comunicação de massa e a facilidade de deslocamento, tanto de pessoas, quanto de objetos.


A “Recriação Histórica” ou “Reconstituição Histórica”, ou “Reconstrução Histórica” ou ainda “Reencenação Histórica”, do inglês “Historical Reenactment” ou “Historical Re-enactment”, em italiano “Rievocazione Storica”, em francês “Reconstitution Historique” e em espanhol “Recreación Histórica”, pode ser resumida como uma prática educativa lúdica, que tem por objetivo recriar peças/elementos artísticos e/ou alguns aspectos socioculturais de um determinado período ou evento, formulando um conceito dinâmico de pesquisa histórica. O processo recria ou reconstrói rigorosamente, os diversos aspetos de um período, representando esse recorte temporal com a maior fidelidade possível. Como uma prática sociocultural e também didático-pedagógica, consegue concentrar diversos tipos de experiências e/ou simulações de representações históricas, como uma forma empírica de ensino-aprendizado.


No entanto, a tradução para língua portuguesa gerou muitos problemas e ainda provoca discordâncias, pois apesar do termo recriacionismo ser o mais usual, esse neologismo foi indevidamente apropriado por outras práticas, desviando-se completamente das suas referências originais. O conceito de recriação histórica rapidamente corrompeu-se e passou a ser utilizado como mera propaganda para qualquer festa ou evento, em que as referências históricas passam longe, quando passam. Em Portugal, país onde o termo começou a se vulgarizar, as inúmeras feiras e mercados medievais, rapidamente se apropriaram do título de “recriação histórica” apesar da carência de rigor histórico na maioria delas. Inúmeros lusitanos, sejam eles, historiadores, arqueólogos e até mesmo recriacionistas, criticam esses eventos medievais, que na sua esmagadora maioria, são destinados a fazer negócio, atrair turistas e não recriam nada.


Dos trajes historicamente incorretos ou com materiais inapropriados aos graves erros fatuais, a maioria das chamadas “recriações” em Portugal perderam muito do caráter histórico/arqueológico, fundamental a significância original. Atualmente, o termo em língua portuguesa está envolto em contradições e os usos indevidos contaminaram a ideia de uma recriação histórica ao associá-la a qualquer divertimento fantasioso sem nenhum critério. Ademais, existem outros problemas semânticos associados ao “recriacionismo”, diante da impossibilidade de se recriar todos os aspectos de um determinado período. Em virtude de todas essas contradições, para evitar comparações inconvenientes e más interpretações, dar-se-á então, preferência pelo uso do termo consolidado em inglês “historical reenactment” para a prática com fundamento histórico e “reenactor” para o praticante cuidadoso. Ainda que os termos: recriação, reconstituição, reconstrução e reencenação, possam continuar acompanhando o conceito.


Antes do historical reenactment se vulgarizar, o filósofo Robin George Collingwood (1889–1943) afirma que todo historiador deveria reencenar o passado na sua mente. No seu livro “The Idea of History” (1946) ele indica o reenactment como uma atividade, exclusivamente, intelectual. No entanto, sua complexa e controversa ideia de aproximação com um fato ou com uma forma de pensar e agir do passado a partir de uma reencenação mental, ajuda a compreender também a concepção do Historical Reenactment. Conquanto, na prática, ambos buscam reencenar um fato histórico para compreendê-lo melhor, [re]experimentá-lo, recriando detalhadamente todo o processo, etapa por etapa. O historical reenactment permite aos seus praticantes a experiência lúdica de vagarem pela história de um modo diferenciado, revivendo e experimentando fisicamente alguns aspectos do período reencenado.


Um dos principais trabalhos acadêmicos sobre o tema abrolhou do outro lado do mundo, em uma pesquisa organizada pelos historiadores australianos Iain McCalman & Paul A. Pickering, com a estreita colaboração de Vanessa Agnew e Jonathan Lamb. O resultado foi uma generosa conjunção de artigos científicos intitulada “Historical Reenactment: From Realism to the Affective Turn” (2010). O Título do livro parece brincar com os estudos da “teoria dos afetos” desenvolvida por Spinoza (1632-1677) e posteriormente elaborada pelos filósofos Gilles Deleuze (1925-1995) & Félix Guattari (1930-1992), sobre a potência afetiva e a conspiração dos afetos, estimulando o movimento que no início do novo milênio ficou – propagandisticamente – conhecido como “Affective Turn”.


O título se justifica, pois segundo a teoria de Spinoza, desenvolvida no seu tratado sobre “Ética” (2009), o poder – ou a potência – da mente para pensar deveria ser idêntico ao poder – ou a potência – do corpo para agir e, nesse caso, o Historical Reenactment se expressa principalmente pelo poder – ou potência – da ação. Ainda para esse filosofo, quanto maior o nosso afeto, maior o nosso poder de agir e os afetos também podem ser ações – determinados por causas internas ou paixões. A noção de afeto abrange a dualidade mente e corpo, enquanto a teoria ou perspectiva dos afetos conjectura o esforço constante de transformar paixões em ações. Contudo, não cabe ao escopo desse conciso artigo se aprofundar nessa teoria ou perspectiva, preconizada pelo movimento teórico hodierno denominado de virada afetiva, apenas ressaltar que Iain McCalman & Paul A. Pickering entre outros autores, perceberam a crescente relação de afetividade dos praticantes de Historical Reenactment, pois a maioria deles atuam pelo afeto, engajados pelas paixões e sentimentos.


Para os autores australianos esses “reenactors”, também ouviram e adimpliram ao apelo do historiador marxista britânico Raphael Samuel (1934–1996): “objects must be seen and felt and touched if they are not to remain inanimate […] events should be re-enacted in such a way as to convey the lived experience of the past” (apud MACCALMAN & PICKERING, 2010, p. 03). De fato, parece ser exatamente isso, a partir de profundos estudos historiográficos e arqueológicos, buscando um novo entendimento do passado, o reenactment rompe com as abordagens tradicionais, recriando objetos e revivendo eventos com maior autenticidade possível aos padrões da época escolhida.


O livro aborda a popularização da reencenação dos eventos históricos, como uma fuga da monotonia cotidiana e apresentam uma crítica contundente acerca da relação de afetividade com o passado com finalidade comercial: “Sites of historical tourism – public and commercial – are intrinsically concerned with creating an affective relationship with the past because of the very fact that this past is objectified for the visitors” (ibidem, p. 08). Diversas vezes denunciam o crescente processo de fetichização do passado e “the uneasy relationship between realism, authenticity and affect” (ibidem, p.09), quando o reenactment acaba se tornando um mero espetáculo de improvisação que talvez possua mais relação com o entretenimento do que com a pedagogia.


A maioria dos ensaios reunidos no livro abordam essa forte conexão emocional dos participantes com a história representada (ibidem, p. 59), ou as polêmicas políticas e ideológicas de algumas reencenações históricas. No começo do ensaio assinado pelo historiador John Brewer, intitulado “Reenactment and Neo-Realism”, em evidente tom satírico, o autor critica a enorme diversidade de eventos de historical reenactment existentes atualmente: “Reenactment, as of sexually transmitted disease, that there is a lot more of it about nowadays” (apud MACCALMAN & PICKERING, 2010, p.79). Segundo ele, o reenactment já existe há cerca de duzentos anos, mas somente agora começou a atrair a atenção dos pesquisadores. “In fact recent academic concern with reenactment is rather more specific. It seems to me to be part of an anxiety about the proliferating interest in the past, from which its natural custodians – professional historians – have largely been excluded” (ibidem, p 79).


A professora da Universidade de Michigan e colaboradora da obra supracitada, Vanessa Agnew, concorda com John Brewer e reitera: “While reenactment was long considered a marginal cultural phenomenon and ignored by academic historians, the past five years have reversed this trend” (AGNEW, 2007, p.299). Em um dos seus textos mais famosos “What Is Reenactment?” (2004), a historiadora destaca não apenas a quantidade, mas também a rápida disseminação do movimento pelo mundo. “Perhaps symptomatic of a broader public interest in history, reenactment has gained urgency in the West during the past decade” (ibidem, p. 328). Seu texto afirma, de forma preocupante, que com seus espetáculos excitantes e narrativas simples e diretas, o “Reenactment apparently fulfills the failed promise of academic history” (ibidem, p. 330), mas concluiu com algumas recomendações importantes.


As a vehicle for historical inquiry, broad interpretative questions are the very ones that reenactment must pose by inquiring into the ethics and politics of historical representation. Rather than eclipsing the past with its own theatricality, reenactment ought to make visible the ways in which events were imbued with meanings and investigate whose interests were served by those meanings. Reenactment’s central epistemological claim that experience furthers historical understanding is clearly problematic: body-based testimony tells us more about the present self than the collective past. Yet, reenactment is a cultural phenomenon that cannot be overlooked. Its broad appeal, its implicit charge to democratize historical knowledge, and its capacity to find new and inventive modes of historical representation suggest that it also has a contribution to make to academic historiography (ibidem, p 335).


O historical reenactment continua sendo um fenômeno popular de difícil definição, pois abarca uma grande quantidade e variedade de atividades. Algumas vezes, ambiciona preencher algumas lacunas que os livros de história por si só não conseguem e, quando bem executados, desempenham um papel importante nas pesquisas empíricas acerca das técnicas produtivas antigas, assim como de algumas práticas socioculturais, cultivando um número cada vez maior de admiradores e adeptos. Não obstante, muitos pesquisadores e teóricos demonstram preocupação com o simbolismo político-ideológico de algumas representações e alertam para o perigo do nefasto fervor nacionalista que podem despertar. Pois nunca é demasiadamente tarde para lembrar como a Idade Média foi [des]apropriada e deformada pelo colonialismo, pelo imperialismo e, principalmente, pelo nacionalismo ou ultranacionalismo de teor fascista.


Outro trabalho importante para o entendimento do tema, foi escrito pela professora de História do teatro, performances e teorias de intermídia do Department of Theatre Arts and Performance Studies da Universidade Brown nos E.U.A. Rebbeca Schneider. “Performing Remains: Art and War in Times of Theatrical Reenactment” (2011). O livro apresenta uma importante análise do reenactment como arte performática, quase sempre repleta de engajamento afetivo e algumas vezes praticadas por entusiastas ingênuos. Enquanto a autora demonstra interesse e preocupação pela possibilidade de “literally touch time through the residue of the gesture or the cross-temporality of the pose” (ibidem, p. 02).


‘Reenactment is a term that as entered into increased in late twentieth-and early twenty-first-century art, theatre, and performance circles. The practice of re-playing or re-doing a precedente event, artwork, or act has exploded in performance-base art along the burgeoning of the historical reenactment and ‘living history’ in various history museums, theme parks, and preservation societies. In many ways, reenactment has become the popular and practice-based wing of what has been called the twentieth-century academic “memory industry (ibidem, p 02).


Ainda na introdução do seu livro, Rebbeca Schneider apresenta outra confusão muito frequente entre os termos historical reenactment e living history. Contudo, antes de tratar deste assunto é preciso abordar os problemas de tradução para língua portuguesa do segundo termo também. Normalmente, traduzido como “História ao Vivo” ou “História Viva”, faz-se imperativo problematizar também essas versões para linguagem lusófona, pois basta analisar a prática do living history para compreender que está muito mais relacionada com uma ideia de “viver a história”, ou “vivenciar a história”, ou ainda “história vivida” ou a “história vivenciada”. Talvez as traduções convencionais tenham acompanhado as dos primeiros “open air museums” ou “livings museuns”, traduzidos como “museus vivos”. Contudo, apesar do living history ter nascido exatamente desta associação, rapidamente, a prática se desgarrou do contexto, exclusivamente, museológico. Não bastasse a dificuldade de tradução do termo per se, os praticantes do “living history”, são chamados “living historians”, termo sem nenhuma tradução, minimamente, aceitável e/ou inteligível para língua portuguesa. Ou seja, também aqui a preferência pelo estrangeirismo talvez ajude a evitar maiores problemas.


O primeiro a estudar academicamente o living history foi o historiador norte americano Jay Anderson, considerado o “pai” do living history. O seu livro “Time machines: The world of Living History” (1984), foi o primeiro a investigar o movimento que resumiu como “the simulation of life in another time”, geralmente essa outra época situa-se no passado. Essencialmente é uma intrusão do passado no presente e o seu valor depende do aprofundamento nos estudos e da atenção dispensada as evidências históricas e arqueológicas. Segundo Jay Anderson, os living historians buscam três objetivos principais: Primeiramente, Interpretar como as pessoas viviam, em segundo lugar, utilizar o living history como uma ferramenta de pesquisa para testar teorias e explorar a cultura material e, por fim, criar personagens para sua própria realização, baseado em pessoas do passado ou em uma mistura de pessoas históricas (ANDERSON, 1984).


No entanto, esses objetivos indicam como o living history pode servir mais aos living historians do que aos estudantes ou ao público em geral. Debra A. Reid no prefácio do livro “The Living History Anthology” (2019), contesta e afirma:


Anyone can pursue immersive research for their own enjoyment and to test theories, but true living history occurs when the learning moves beyond personal interest and professional inquiry to public engagement. The best living historians transcend these three goals and add a fourth, engagging the learner in the processm, to reach the gold standard (apud KATZ-HYMAN, Martha; JONES, Cliff et alli, 2019, n.p.)


Apesar de não ser obrigatória a presença de público espectador em atividades de living history, para a historiadora, a melhor prática do living history pode fortalecer o apoio para a educação em história, pois pode aplicar metodologias educacionais diferenciadas, interpretativas e de programação pública, para entregar interpretações mais instigantes e engajadas para o público. Ou seja, a prática do living history também pode servir como um método didático para a divulgação e aprendizagem da História, da cultura, da memória de uma determinada época num dado contexto, com recurso à expressão dramática, sem, no entanto, se tratar de teatro porque não se definem falas ou encenações – reenactment – rigorosas.


Mas retornando a Jay Anderson, ele também afirma que apesar de parecer estranho, o que parece atrair o público do living history não são as grandes experiências dramáticas, épicas e ameaçadoras, contudo, o cotidiano do passado, a vida tradicional. A busca pelo mundo das pessoas comuns. Anderson afirma ainda que no século XX os estudos da vida tradicional foram estimulados pela compreensão dos trabalhos da Escola dos Annales, principalmente de Fernand Braudel (1902–1985), Marc Bloch (1886–1944) e a história social francesa. (ANDERSON, 1992, p.457). Desde modo, o surgimento dos primeiros museus abertos ou museus vivos e a própria prática do living history está associado ao desenvolvimento das pesquisas sobre o cotidiano. Segundo Anderson, quando esses primeiros museus abertos foram criados nos Estados Unidos e no Canadá, enfatizavam de forma democrática “the world of ordinary pelople”. Eles se tornaram museus vivos da história do homem qualquer, construídos com a premissa que a vida tradicional da região é historicamente significativa e a cultura material deve ser coletada, preservada, estudada e, especialmente, interpretada (ibidem, p.459).


A ação do living history consiste na reprodução de costumes e práticas antigas. Procura-se recriar as vestimentas, o comportamento, os hábitos, a materialidade e o contexto social do período em questão, contudo, não existe encenação, apenas vivência. Ademais, em alguns casos, o living history também vem desenvolvendo um novo modus vivendi de imersão no passado, conseguindo reproduzir experiências relativamente realistas.


Tanto o historical reenactment quanto o living history demandam estudos, investigações, experimentações e a aprendizagem das antigas técnicas Não obstante, apesar de semelhantes em diversos aspectos, essas práticas não são idênticas. A reenactor, living historian, integrante do grupo musical “Songleikr”, fundadora e diretora do grupo “Trondheim Vikinglag” e do projeto “Hands on History”, Ingrid Galadriel Aune Nilsen (2015), tentou separar essas práticas, indicando algumas peculiaridades.


Segundo ela, o historical reenactment é uma atividade performática e teatral, onde um evento especifico é recriado em detalhes para recontar uma história. A atividade sempre envolve participantes – ou reenactors – os quais podem retratar um personagem específico do passado ou não, executando atividades adequadas para reencenação. É exigido que os reenactors permaneçam nos seus personagens e que atuem de acordo durante toda a reencenação. A atividade sempre possui espectadores. Sempre requer trajes e adereços/ornamentos apropriados, todos os trajes devem ser baseados em fontes históricas e achados arqueológicos. O historical reenactment é planejado, roteirizado, ensaiado e dirigido, sendo os roteiros também baseados nos acontecimentos históricos. Possui uma espacialidade – recorte espacial – e uma temporalidade – recorte temporal – bem definidos, com uma clara definição do período que começa e termina.


Normalmente os reenactments são realizados nos locais onde os eventos históricos originalmente aconteceram ou uma localização similar a original. Como qualquer história recontada, os reenactments são subjetivos e devem ser considerados como uma interpretação dos fatos. Por isso, todo reenactment deve ser analisado em relação ao contexto moderno. A chave para autenticidade no historical reenactment está, principalmente, na exatidão do roteiro e no desencadeamento das ações.


Quanto ao living history, Ingrid Galadriel Aune Nilsen (2015 p. 06) destaca que também se trata de uma atividade performática, mas de nenhum evento histórico específico. Reitera a definição de Jay Anderson, como atividades ordinárias do cotidiano executada de forma detalhada. Sempre envolve participantes, mas esses não representam nenhum personagem histórico especifico. Não precisa de uma audiência, mas sempre possui um período predeterminado e requer trajes e adereços/ornamentos apropriados. Assim como no reenactment todos os trajes também devem ser baseados nos registros históricos e arqueológicos. As atividades não são roteirizadas, mas improvisadas, produzidas por conhecimentos e habilidades incorporadas. Esses conhecimentos e habilidades são embasados em experiências profissionais e pessoais, mas, principalmente, nas pesquisas acerca dos fatos históricos e na arqueologia.


O living-history é uma atividade em constante construção, definida no tempo e no espaço por um quadro de acontecimentos/fatores externos, como por exemplo: chuva, vento, neve e outros fenômenos atmosféricos. A prática pode acontecer em qualquer lugar, no entanto, atividades de living history que visam estimular um sentido de viagem temporal por meio da imersão, devem ser realizadas em ambientes adequados. Elementos modernos, regras e regulamentos restritivos inibem a experiência, diminuindo o potencial de autenticidade, imersividade, didático e científico. Todas as atividades de living history também são subjetivas e devem ser considerados como uma interpretação dos fatos. Por isso, todo living history deve ser observado/analisado em relação ao contexto moderno. A chave para autenticidade da atividade está na exatidão e verossimilhança dos materiais utilizados (NILSEN, 2015, p. 07-08).


Por fim, tanto o historical reenactment quanto o living history estão diretamente associados às pesquisas históricas e arqueológicas, algumas vezes flertando com as técnicas e metodologias da arqueologia experimental, apesar de nem sempre produzirem uma experiência arqueológica – nos padrões acadêmico-científico. Amparados também pelo desenvolvimento dos estudos mais recentes de Iconografia Medieval e da designada Antropologia da imagem ou Antropologia visual, para propor uma retomada do passado, buscando evitar anacronismos e mantendo deferência ao recorte temporal escolhido, Suas aproximações didático-pedagógicas, nem sempre são apreciadas pelos acadêmicos mais tradicionalistas, porém, conquistaram inegavelmente o respeito do público no mundo inteiro.


Referências Bibliográficas.

AGNEW, Vanessa. Introduction: What Is Reenactment?. Criticism, Detroit, v. 46, n. 3, p. 327-339, Summer 2004.

______. History’s Affective Turn: Historical Reenactment and Its Work in the Present. Rethinking History: The Journal of Theory and Practice, Londres, v. 11, n. 3, p. 299-312, 3 setembro 2007.

ANDERSON, Jay. Living History: Simulating Everyday Life in Living Museums. In: LEFFLER, K. Phyllis & BRENT Joseph. Public History Readings. Florida: Krieger Publishing Company, 1992.

______. Time Machines: The World of Living History. Nashville: American Association for State and Local History, 1984.

COLLINGWOOD, Robin George. The Idea of History. Oxford: Clarendon Press, 1946.

KATZ-HYMAN, Martha; JONES, Cliff et alii (org). The Living History Anthology. New York: Taylor & Francis Group/The Association for Living History, Farm and Agricultural Museums (ALHFAM), 2019.

DELEUZE, Gilles. Espinosa: Filosofia Prática. São Paulo: Escuta, 2002

MACCALMAN, Iain & PICKERING, Paul A. Historical Reenactment: From Realism to the Affective Turn. Hampshire: Palgrave Macmillan; 2010.

NILSEN, Ingrid Galadriel Aune. How to Make a Historical Event Involving Re-enactment Groups. Bucharest: Mioritics Publishing House, 2015.

SCHNEIDER, Rebbeca. Performing Remains: Art and War in Times of Theatrical Reenactment. New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2011.

SPINOZA, Benedidus de. Ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

Comentários

  1. Olá, João. Parabéns pelo trabalho.
    Tendo em vista o aumento da popularização tanto do Historical Reenactment quanto do Living History, o que você pensa a respeito da associação dessas práticas com os movimentos de extrema-direita na Europa? E, por conseguinte, quais seriam, a seu ver, os possíveis usos dessas práticas para fins didáticos (em quaisquer níveis de ensino) que pudessem minimizar essa associação com o nacionalismo de extrema-direita?
    Abraços,
    Marcelo Berriel

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    1. Muito obrigado pelo elogio e pela pergunta Marcelo Berriel.
      A ascensão do fascismo e dos movimentos de extrema-direita nas primeiras décadas do século XXI pode ser considerada uma das maiores preocupações/ameaças político-ideológicas do novo milênio e muitos trabalhos já foram elaborados acerca do tema. Como esses movimentos de extrema-direita crescem cada vez mais no mundo inteiro e, conforme abordou a minha comunicação, o Historical Reenactment e o Living History também, pode ser considerado como um fenômeno natural que alguns integrantes ou grupos de Historical Reenactment e Living History estejam engajados a tais movimentos. Contudo, pretendo fundamentar minha resposta em uma pesquisa de campo realizada em fins de 2018 e início de 2019,quando o Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal Fluminense (UFF), por meio do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), possibilitou vivenciar um conjunto sítios europeus destinados a reconstruir/recriar – por intermédio da arqueologia experimental – a arquitetura da Idade Média. A pesquisa se estendeu de Portugal para “Guédelon Château Fort” na Borgonha francesa, passando pela “Mittelalterhaus Nienover”, “Campus Galli - Karolingische Klosterstadt” em Meßkirch e “Bachritterburg” Kanzach na Alemanha, até “Burgbau Friesach” na Áustria. Ao longo desse período convivi e entrevistei integrantes de diversos grupos de Historical Reenactment e Living History, entre eles: “Emcadeamentos: Associação para Promoção do Patrimônio Histórico Cultural” e “Companhia Livre” em Portugal; “daz groze vrie 1350”, History: “Familia Swevia”, “Die Reisecen”, “Compthurey Alpinum”, “Historia Vivens 1300” na Alemanha; além dos construtores e representantes das obras de “Guédelon Château Fort”, “Campus Galli - Karolingische Klosterstadt” e “Burgbau Friesach”, foram mais de setenta entrevistas com dezessete perguntas abertas, cuja totalidade da compilação ainda demandará um grande esforço. Entre as perguntas do questionário, uma era fundamental: “Politicamente, na sua opinião, existe alguma relação entre os movimentos de recriação histórica medieval e movimentos nacionalistas de extrema-direta?”
      Como será impossível transcrever todas as respostas, posso afirmar, resumidamente, que todos os entrevistados consideraram a existência de pessoas e/ou grupos associados a movimentos nacionalistas de extrema-direta, no entanto, todos condenavam essas práticas e alguns chegavam a indagar porque estava fazendo essa associação que soava – para alguns reenactors – como ofensiva. Ou seja, para os entrevistados essas associações não eram benquistas, consideradas nocivas e deletérias. Destaco a resposta do arqueólogo e historiador Fabian Brenker representante do grupo “Familia Swevia” com mais de uma década de existência. Segundo ele, esses grupos que associam o Historical Reenactment e o Living History a ideologias políticas nacionalistas, para além de não realizarem um bom trabalho, normalmente são ignorados pelos outros grupos e associações mais importantes e acabam ficando isolados. Ninguém mais se relaciona com eles afirmou.

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    2. Preciso admitir que a pesquisa não abarcou um “universo” estatístico representativo. Contudo, a partir dela é possível afirmar que tanto o Historical Reenactment quanto o Living History NÃO são dominados por nacionalistas, supremacistas ou representantes de outros movimentos de extrema-direita da pior estirpe. Ainda assim, apenas considerar a existência de membros ou grupos de Historical Reenactment ou Living History associados a extrema-direita pode ser interpretada como – no mínimo – contraditória, para não dizer absurda, ilógica, incoerente, incompatível e paradoxal. Pois, conforme o artigo sugere, a prática dessas atividades demanda estudos historiográficos e arqueológicos, portanto não pode ser considerado plausível que pessoas interessadas por essas disciplinas – acadêmicos ou não – associem-se a ideologias políticas tão míopes e nefastas. Cabe ressaltar que importantes críticas e movimentos de oposição a essas associações também estão ganhando notoriedade.

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    3. Por fim, conforme a comunicação também sugere, o Historical Reenactment e o Living History, quando bem executados podem ser considerados práticas educativas lúdicas , com grande possibilidade de contribuição para o ensino da História, Cultura, Patrimônio, Memória... Finalmente, como também aborda o texto, a academia começou a demostrar interesse por essas atividades e cada vez mais pesquisadores se dedicam a temática. As análises críticas a partir de diferentes metodologias e abordagens acadêmicas tendem a melhorar a qualidade do Historical Reenactment e do Living History, inclusive, podem auxiliar nessas controversas questões políticas e ideológicas. Acredito que a aproximação entre acadêmicos e praticantes de Historical Reenactment e Living History seja o caminho para o aperfeiçoamento dessas práticas socioculturais, assim como, para extinção dos preconceitos que acadêmicos mais tradicionalistas ainda hoje cultivam em relação a essas atividades, pois arrogantemente se consideram proprietários e guardiões exclusivos da história.

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  2. Ótimos apontamentos teóricos. Foi indicado variações do uso dos termos e certas confusões entre as traduções, pelo visto, também de forma intencional/comercial. Entre os autores pesquisados, existe associação entre o turismo patrimonial e identidades nacionais? Mais ainda, os autores pesquisados dialogam as as teses de 'A Invenção das Tradições' de Eric Hobsbawn e Terence Ranger?

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    1. Muito obrigado Daniel Tiago de Vasconcelos!
      O primeiro compendio citado no texto organizado pelos historiadores australianos Iain McCalman & Paul A. Pickering (ver: MACCALMAN, Iain & PICKERING, Paul A. Historical Reenactment: From Realism to the Affective Turn. Hampshire: Palgrave Macmillan; 2010.) criticam a exploração afetiva de algumas entidades patrimoniais para fins essencialmente comerciais. “Sitios de turismo histórico – público e comercial – estão intrinsecamente preocupados em criar uma relação afetiva com o passado, devido ao fato desse passado ser objetificado para os visitantes” (MACCALMAN & PICKERING, 2010, p. 08). Ademais, a maioria dos trabalhos sobre “living History” abordam a questão do turismo patrimonial, de uma forma ou de outra, já que muitas vezes essas atividades acontecem dentro desses espaços reconstruídos. Caso possua interesse nesse tema recomendo a leitura do livro citado na publicação “The Living History Anthology” (Ver: KATZ-HYMAN, Martha; JONES, Cliff et alii (org). The Living History Anthology. New York: Taylor & Francis Group/The Association for Living History, Farm and Agricultural Museums-ALHFAM, 2019.) pois esse livro analisa o “living history” associado aos “open air museums” ou “livings museuns”, traduzidos como “museus vivos”, delimitando relações diretas com o turismo patrimonial.
      A questão da “identidade nacional” é muito recorrente nos textos da professora da Universidade de Michigan, Vanessa Agnew que aborda o tema a partir de uma perspectiva do do Pós-Colonialismo – Anti-Colonialismo ou estudos Decoloniais. Recomendo nesse caso a leitura do livro “Settle and Creole Reenactment” (Ver: AGNEW, Vanessa; LAMB, Jonathan; SPOTH, Daniel (org). Settler and Creole Reenactment. New York: Palgrave Macmillan, 2009.)
      A questão da identidade nacional também foi muito bem abordada pela estadunidense Rebbeca Schneider, pois seu livro abarca inclusive o Reenactment da Guerra Civil Norte Americana, o qual segundo a autora “desperta um preocupante sentimento nacionalista”. Ela não trabalha especificamente com Eric Hobsbawn e Terence Ranger, mas a ideia das tradições inventadas e do “mito das nações” (GEARY, Patrick. O Mito das Nações: A Invenção do Nacionalismo. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005) atormentam a maioria dos pesquisadores que analisam esse assunto.

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  3. Muito bem elaborado o texto, mas muito complexo tbm

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    1. Muito obrigado pela crítica! concordo plenamente contigo! Infelizmente, o texto acabou ficando muito denso teoricamente. Originalmente planejava organiza-lo em três partes, a saber: a primeira dedicada a teoria (mais resumida), a segunda com exemplos, estudos de caso e análise crítica e por fim uma conclusão. Contudo, o limite recomendado pela organização do evento não permitiu escrever uma comunicação mais longa, optei por abordar apenas a teoria e deixar a análise dos estudos de caso para um segundo momento. Como esse assunto é pouco explorado no Brasil, a teoria ficou a cargo das pesquisas estrangeiras o que tornou o texto ainda menos palatável. Novamente agradeço e tentarei não repetir o mesmo equívoco da próxima vez.

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  4. Texto pertinente e necessário. Há pouco material em língua portuguesa sobre o tema. No caso, vou dar uma sugestão de exemplo de trabalho. O Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE), possui um trabalho sobre living history realizado pela profa. Dra. Luciana de Campos. Se você tiver interesse, procure pelos vídeos dela no canal do NEVE no Youtube. A professora Luciana já vem a alguns anos trabalhando com living history, inclusive tive a oportunidade de ver uma aula dela em escola.

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    1. Boa tarde Leandro Vilar e muito obrigado pelo seu comentário!
      Sim, eu conheço o Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (NEVE), participei da formulação do “Dicionário de História e Cultura da Era Viking”, organizado pelo professor Johnni Langer, na época redigi três verbetes: “Forticações”; “Habitação” e “Patrimônio”. Também conheço o trabalho da professora Luciana de Campos, ela também procurar realizar essa aproximação entre a academia e o universo do “Historical Reenactment” e do “Living History”, se apropriando dessas atividades para uma produção didático-pedagógica mais lúdica. Enfim, uma associação que considero muito importante.

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  5. Excelente! Esse é um tema fantástico. Fiz um projeto de dissertação de Mestrado, mas com a redução de bolsas do atual governo, não pude cursar apesar de ter sido aprovado. Se chama "Nova Era Viking: arqueologia experimental e recriação histórica como protagonistas nos estudos sobre História e Cultura do período Medieval da Escandinávia."
    A pesquisa trata de como os campos da arqueologia experimental e da recriação histórica têm favorecido um melhor entendimento a respeito da Era Viking, tanto histórica quanto culturalmente, unindo desde os métodos mais acadêmicos aos não necessariamente convencionais.
    Nas duas últimas décadas houve um crescente interesse nas temáticas medievais como um todo, seja por um maior número de produções televisivas e cinematográficas, como também por uma facilidade maior de acesso a notícias e pesquisas através da internet. Esse aumento no número de interessados tem contribuído diretamente para essa área de pesquisa, já que gera mais estudos e mais “mão de obra”. Muitas vezes algo que começa como lazer, como a participação em eventos temáticos, acaba levando ao estudo mais aprofundado do tema. Assim, os envolvidos acabam por elevar o nível geral de conhecimento e evitam concepções equivocadas relativas a um determinado momento histórico.
    Claro que há diferenças entre a arqueologia experimental e a recriação histórica, sendo a primeira uma ciência e a segunda uma atividade mais voltada ao lúdico, mas também há muitos pontos em que se completam. Possivelmente, o ponto de maior convergência seja o fato de que ambas podem nos proporcionar uma experimentação prática de um determinado objeto de estudo, visando à comprovação de uma hipótese.
    Ambos os métodos desenvolvidos na arqueologia experimental e na recriação histórica, apresentam os avanços feitos no conhecimento relativo à História e Cultura da Escandinávia da Era Viking, incluindo técnicas de produção e estilo de vida (gastronomia, vestuário, cutelaria), o que também mostra a importância dessas abordagens para um melhor entendimento desse povo e período.

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    Respostas
    1. Fico feliz que o interesse nesse tema esteja aumentando! Também estudo o aumento dos reenactments da era viking! Acompanho atentamente alguns grupos aqui no Brasil e durante meu período de doutorado sanduíche tive contado com alguns grupos de fora. Espero que possamos trocar informações em breve! qualquer coisa pode me escrever. Parabéns pela pesquisa e boa sorte, espero que consiga logo uma aprovação com bolsa no mestrado! Muito obrigado pelo seu comentário!

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